A Livraria Cultura faliu.
O juiz da 2ª Vara Cível de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, decretou na quinta-feira (9) a falência da Livraria Cultura. O grupo fracassou ao tentar superar a crise que se arrastava desde 2014. No plano de recuperação judicial inicial, a Cultura apresentava dívidas que chegavam a R$ 285 milhões. A sentença estipula a venda de bens móveis e imóveis e o bloqueio de ativos financeiros, veículos e imóveis em prazos entre 30 e 60 dias.
Não tem como não se sentir desamparado.
A Cultura não representou uma livraria apenas, mas o primeiro shopping de livros no Brasil.
Era também sala de leitura, lounge, lugar de recreação, audioteca, área infantil para contação de histórias, ponto de encontro entre amigos. Revolucionou o jeito de vender literatura, música e produtos de arte. O acervo estava espalhado em sucessivas gôndolas, não mais restrito às estantes claustrofóbicas do negócio tradicional. Você passeava pelo salão, com folga física para dançar, perdido entre tantas atrações.
Pela primeira vez, adolescentes buscavam refúgio numa livraria. Não saíam de uma livraria. Atravessavam o dia inteiro dentro de uma livraria. Os pais até estranhavam o novo hábito.
Pelos espaços amplos e de vários andares, coloridos e modernos, com o luxo de contar com passarelas internas, você se via num centro cultural em que podia ler uma obra antes mesmo de comprá-la, manusear as novidades sem o risco de censura de um segurança.
Havia liberdade para estar ali pelo tempo que quisesse. O consumismo não representava o objetivo principal da rede, pelo contrário, ela estimulava essencialmente a convivência familiar.
As lojas viviam lotadas antes da recuperação judicial, despertando a curiosidade de um público leigo.
Eu fiz mais de 10 sessões de autógrafos na filial do Bourbon Shopping Country, com filas quilométricas que invadiam os arredores das escadas rolantes do outro lado do centro comercial. Foi um endereço badalado, com auditório para palestra antes de todo lançamento de livro.
Pela primeira vez, adolescentes buscavam refúgio numa livraria. Não saíam de uma livraria
O império ruiu. E eu não acredito. É como enxergar o esfacelamento, pedra por pedra, da Grande Pirâmide de Gizé do mundo livreiro.
No caso, o faraó Quéops era a alemã Eva Herz, que veio ao Brasil para fugir da perseguição nazista. Fundou a empresa como uma biblioteca circulante no fim da década de 1940 e a consolidou como livraria no Conjunto Nacional, em 1969, na capital paulista. Do aluguel dos livros, passou a vendê-los.
Para dimensionar o tamanho que o empreendimento atingiu ao longo de cinco décadas, a Cultura já se fez presente em mais de 16 cidades do Brasil, como Brasília, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Além disso, teve pioneirismo digital no delivery e na elaboração da lista dos mais vendidos.
O estertor de suas portas acontece apenas com duas unidades ainda em atividade, em São Paulo e Porto Alegre.
A representante gaúcha foi guerreira até o fim. Viveu o esvaziamento gradual de funcionários, de livros, de clientes, com a retirada de tapetes, de lustres, de mostruários, até se tornar um esqueleto pálido da sua antiga exuberância.
Só os credores não sofrem de pena e compaixão, só quem ficou sem receber da livraria. Para todos os demais, é o velório de um sonho.