Eu percebi tal verdade quando meu pai suspirou:
— Que saudade de usar gorro, de usar luva, de usar poncho.
Na época, ele morava na praia de Guarapari (ES) e viera passar uma temporada com os filhos em Porto Alegre. No Espírito Santo, ele apenas andava de bermuda, regata e sandálias o ano inteiro. Vivia uma única estação.
O gaúcho tem o privilégio de ter saudade das suas roupas.
Como há o armário de inverno e o de verão, ele não para de reestrear suas peças. Nem precisa comprar novas porque esquece o que tem e é sempre surpreendido por algum item ainda intacto.
Já que são estocados durante um período de quatro meses, os pulôveres e as malhas duram mais do que o normal.
Diferentemente de quem mora numa temperatura estável, o gaúcho se afasta de seus trajes. Existe um distanciamento que reforça o apego. Não os mantém no corpo sem largar, não testemunha a triste e irreversível decadência e o desgaste do material pelo tempo.
O gaúcho furta as próprias roupas de si mesmo e depois as devolve aos cabides, arrependido. As golas não perderão o elástico, as camisas não conhecerão o desbotamento de sucessivas lavagens.
De temporada a temporada, realiza fretes dentro da casa, numa mobilização coletiva de reposição do vestuário.
Experimenta um frenesi de liquidação quando baixa os volumes das estantes de cima. A família se mostra ruidosa e incontrolável com as novidades velhas, rasgando os sacos dos produtos armazenados.
São reencontros emocionados de aeroporto e de rodoviária nas portas do guarda-roupa.
A jaqueta de couro de que tanto gostamos desaparecerá por alguns meses, para reacender de repente a atração do primeiro olhar, como se fosse recém-comprada.
Ficaremos dias e dias alisando a sua superfície, agarrados a ela, grudados em seu cheiro de neblina, sem tirá-la dos ombros. Quando estivermos quase nos enjoando dela, será o momento de escondê-la novamente para o próximo frio. O relacionamento é salvo das brigas pelos ciclos alternados do nosso clima.
Não ocorre o tédio, a monotonia, a rotina dos trajes. Você não recorda quantas sungas e calções de banho tem até chegar o calor de dezembro.
Só nós sabemos o que é achar o bendito troco nos bolsos internos dos casacos, a glória de reaver um dinheirinho confiscado pelo esquecimento. É o equivalente a um ressarcimento do FGTS.
No Nordeste e Norte do país, as pessoas se casam com as suas roupas e assim terminam se divorciando delas. O gaúcho não, é um eterno apaixonado: namora, e namora, e namora com os seus pertences pela existência afora.