São Gabriel é o anjo que anunciou a vinda de Jesus para Maria, emissário da Justiça e da Verdade. Inspirou o nome do município gaúcho, com 60 mil habitantes, na Fronteira Oeste, a 320 quilômetros de Porto Alegre.
Gabriel Marques Cavalheiro, de 18 anos, era um jovem que viajou até São Gabriel para ficar na casa do tio e prestar serviço militar.
Se fosse um garoto branco, isso aconteceria? Acrescenta-se o fato de ser pobre e forasteiro, ainda sem vínculo comunitário.
A cidade e o adolescente, ambos batizados com o nome do mesmo arcanjo, encontraram-se num destino trágico e dependem agora da Justiça e da Verdade para reaverem a paz.
Gabriel não chegou a servir ao Exército, o seu sonho de emancipação. Seu corpo terminou localizado num açude, em Lava Pé, depois de ser abordado com violência por policiais. Testemunhas relatam que ele foi espancado com cassetetes na cabeça três vezes e posto, desacordado, na viatura. Três brigadianos fizeram a operação.
Não se tem uma explicação verossímil a respeito do que Gabriel era acusado. É tudo nebuloso. Houve uma denúncia do 190 relatando uma tentativa de invasão à residência de uma vizinha. Mas Gabriel poderia estar simplesmente pedindo ajuda, perdido numa cidade nova, que recém vinha tateando. Teve o infortúnio de se ver no lugar errado, na hora errada, com as pessoas erradas e desconfiadas. E se a prisão resultou de um engano?
Quem olha as suas fotos – o corpo franzino, os óculos grandes, o temperamento tímido – não tem como imaginar qualquer agressividade da parte dele, qualquer ameaça, qualquer resistência à força policial. Familiares e amigos o descrevem como um “guri do bem”.
Pais perderam um filho, avós perderam um neto que estava sob custódia do Estado. Existiu um homicídio em que são apurados a covardia e o abuso de autoridade. Caso a investigação confirme os rumores da truculência da Polícia Militar, ela não poderá ser perdoada.
Se fosse um garoto branco, isso aconteceria? Acrescenta-se o fato de ser pobre e forasteiro, ainda sem vínculo comunitário.
Não é similar ao assassinato de George Floyd em Minnesota, em maio de 2020, com a sádica ação policial que comoveu e causou manifestações de veemente repúdio nos Estados Unidos e no mundo?
Todos devem se lembrar do vídeo: o ex-segurança americano, de 46 anos, morreu asfixiado enquanto um policial se manteve ajoelhado sobre seu pescoço.
Não é idêntica opressão até o desmaio da vítima?
A única diferença é que o menino Gabriel não foi filmado. Ninguém acreditou nele, ninguém levou a sério que ele não estava mais conseguindo respirar. Ninguém. Morreu sem saber por que estava apanhando tanto.