Às vezes, você não consegue dizer adeus. A relação fez tão mal, foi tão tóxica, que você apenas pede licença, pede à pessoa que saia da frente.
Até para se despedir, você precisa de um pouquinho de saudade, uma réstia de gratidão, para ser capaz de olhar nos olhos e acenar.
Se a relação atingiu o nível de ranço, você não suporta ouvir a voz do seu antigo par, ou reparar nos seus trejeitos de espanto, de quem finge que não entende o que está acontecendo.
Dá raiva lidar com quem se mostra surpreso com a partida depois de amplos e sucessivos sinais.
Não cairá na estratégia da desinformação, que faz você parecer uma figura louca, impulsiva e passional. Na verdade, é o contrário: você demorou muito para ir embora.
Nessa hora, dispensará os protocolos. Emergirá o instinto de sobrevivência. Você quer só se proteger. Não mais se importa em largar tudo – casa, mobiliário, objetos pessoais –, desde que possa se distanciar daquela atmosfera viciada.
Seus ouvidos morreram. Não vê mais sentido em acrescentar nada. Tem a certeza de que nenhuma palavra mudará a natureza do romance, ou despertará a empatia, ou trará a sincera vulnerabilidade da outra parte.
Você se habituou a conversar sozinho, arremessando palavras na parede. Então, desiste de falar, desiste de tentar, desiste de ser diplomático.
Conhece o analfabetismo do desespero. Perde a confiança na linguagem. Mergulha no silêncio da azia, tolera a queimação da garganta.
O relógio parou. Você não deseja oferecer nem mais um minuto. Recusa qualquer tempo para pensar ou sentir melhor. Busca unicamente o seu espaço. O seu lugar de volta.
É o momento da vida em que você arranca o retrovisor da compaixão, não mais confere o que tem atrás, economiza o fôlego para cruzar o oceano da solidão a nado.
Sabe que não pode facilitar, abrir qualquer brecha, insinuar a mínima esperança, porque o seu parceiro exibe o poder de manipular, de distorcer, de chorar, de chantagear, e, no fim, era você que sempre se desculpava como se tivesse errado, como se tivesse quebrado a confiança, como se tivesse deixado de acreditar na relação.
Não pretende mais participar do jogo doentio, da neurose, dos círculos da pedrada na alma. E era em você que sempre doía a pedra.
A educação é guardada para um próximo momento, longe dali. Não há nem como ser educado sob o risco de sua atitude ser interpretada como um recuo ou sobrevida do amor.
Você finalmente é, de novo, uma porta aberta para si mesmo.