Não existe mentira para poupar o outro. Você mente para proteger a si mesmo.
Mentir com a intenção de não magoar é magoar depois com juros. Você destrói todas as verdades passadas e todas as verdades futuras. Perde a integridade da memória e o crédito do futuro. Não sobra nada para exercer a lealdade do presente.
Só que o mentiroso não é um ingênuo, no máximo, um preguiçoso. Atalha as suas vitórias. Sabe bem o que está fazendo ao encurtar distâncias.
Mente porque quer algum privilégio, um benefício, ou para não ser julgado e assegurar a impunidade de suas falhas.
Mentir é furar a fila da existência, é roubar o lugar de alguém. Seja por inveja, seja por ciúme, seja por insegurança, o mentiroso busca ostentar méritos que não foram conquistados pelo próprio esforço.
Rompe o senso democrático de igualdade, de respeitar o tamanho da sua condição atual. Tenta parecer quem não é pelas facilidades da convivência.
A mentira é o lucro indevido da experiência, o ágio das amizades, o leilão da família, o desvio do pedágio dos amores.
Porque sinceridade é humildade, é reconhecer os seus limites, é dizer “sou o que posso”.
Quem mente segue o propósito de passar um afeto para trás, dar uma rasteira emocional. Além de evidenciar a arrogância de subestimar o interlocutor – afinal, acredita que este não conta com a capacidade de descobrir a distorção.
Há um padrão de comportamento patológico de desvalorizar a companhia, subestimar a inteligência alheia, partindo do princípio de que é infinitamente melhor do que os demais.
Se a mentira dura mais do que 24 horas, significa que ela não é um descuido, uma distração, um lapso. Sua duração pode ser para a vida inteira. Foi arquitetada com plena consciência das consequências. Predominou um claro interesse de substituir um acontecimento autêntico, de fraudar o que é legítimo.
Quanto mais tempo você demorar para desfazer um equívoco, mais difícil será o perdão. Porque faltou compaixão com as pessoas ao seu lado: desfrutou de dias e dias inumeráveis para não induzir ninguém ao erro.
A mentira jamais é solitária. Mentindo, você quer que o outro erre junto. Arrasta álibis para dentro de seus desastres. É a solidariedade do mal.
E pode até usar atenuantes, alegando que são mentirinhas. Mas mentirinhas também não existem. A mentira é um enorme vazio emprestado.