A melancolia nos protege. Interrompe a selvageria do orgulho, devolve os pés para a realidade e as mãos para a delicadeza da pele.
A melancolia é a humildade de ouvir a nós mesmos, de nos dar um tempo para pensar, de reconhecer os nossos limites e aceitar as nossas imperfeições.
Ela nos convida para a beleza da fragilidade, para os detalhes recônditos da rotina. Nossa sensibilidade se reabre às delícias protetivas da solidão, de um café fumegante, de um pão com manteiga, de uma poltrona predileta, de um livro aconchegante.
Você agenda um encontro pontual consigo mesmo.
Chorando, você tem contato com a sua essência e desafia os condicionamentos, disposto a definir os seus próprios caminhos e não seguir o que os outros querem que você seja.
Você localiza um espaço intransferível dentro de si, para coser as suas meias e luvas, para revisar os pensamentos e meditar sobre o impacto de suas ações.
As lágrimas lavam as escadarias dos olhos, eliminam a sujeira, combatem o bolor das ideias fixas e obsessivas, empenham a higiene dos sonhos.
Só quem se vê introspectivo um pouco por semana se corrige e se desculpa. Volta atrás, reposiciona-se, digere os arrependimentos, procura as suas melhores versões, não se esconde na inexorabilidade da razão.
A melancolia é pessoal, um remédio para combater a megalomania e a grandiloquência.
Por isso, eu me preocupo com os efeitos de um chip da beleza, adotado como método revolucionário em clínicas, que não permitirá mais às pessoas os intervalos com as suas reais fraquezas.
Sob anestesia local, o tubinho de silicone, quase tão fino quanto um palito, é instalado na barriga ou no glúteo, e libera hormônios como a gestrinona e a testosterona. Garante euforia, bem-estar e uma maior libido.
É como um sedativo moral, fazendo que você permaneça no extremo perigoso do contentamento.
O sorriso será fixo, não mais uma conquista. A sedução será constante, não mais um merecimento da confiança.
Trata-se de um bem para o mal, ao negar os baixos da vida, as inevitáveis frustrações e decepções.
Esse superpoder vai nos bloquear para o autoconhecimento, abolindo a alternância das emoções, a saúde constante de ir para fora e voltar para si.
O usuário do chip poderá confundir amor-próprio com egoísmo, entregar-se de modo inconsequente a relações suspeitas desprezando os alertas da intuição, sufocar o estresse e os sinais de esgotamento, exigir contrapartidas astronômicas dos outros, perder o senso de medida e renunciar sentimentos indispensáveis de socialização como a empatia. Afinal, sendo sempre alegre, não aceitará ninguém triste por perto.
Viver não tem atalhos. Implica atravessar as nossas contradições. Qualquer atalho é precipício.