A chegada da aids ao Brasil, há 41 anos, desencadeou um período marcado por medo, preconceito e desinformação. Um episódio emblemático ocorreu em Porto Alegre, quando policiais vestiram uniformes destinados a lidar com material radioativo para recolher o corpo de um morador de rua suspeito de infecção por HIV. Cobertos da cabeça aos pés, pareciam astronautas recém-chegados do espaço. A cena ilustra o desconhecimento da fase inicial da aids. Foi um período marcado pela intolerância à comunidade LGBT+ (a doença chegou a ser chamada de “câncer gay”), pelo medo da contaminação e por opiniões equivocadas, até mesmo entre cientistas.
O Sistema Nacional de Transplantes é reconhecido como um dos mais transparentes e seguros do mundo. Não pode ter sua confiabilidade comprometida por gente leviana e inescrupulosa
No Brasil, a epidemia expôs a falta de segurança no sangue utilizado em hospitais. A comercialização por laboratórios privados e a ausência de testes causaram a contaminação de milhares de pessoas, principalmente hemofílicos. As mortes do cartunista Henfil e de seus irmãos, o músico Chico Mário e o sociólogo Betinho, viraram símbolo dessa tragédia. A situação chegou à Assembleia Nacional Constituinte, que proibiu a venda de sangue e determinou a presença do poder público na coleta, no armazenamento e na distribuição em todo o país. A partir daí, foram instituídos testes obrigatórios não apenas para o HIV, mas também para outras doenças, como hepatite B e C, Chagas, sífilis e HTLV, vírus que ataca as células de defesa. Graças a essas medidas, as transfusões, essenciais na prática médica, tornaram-se seguras.
No Brasil, entretanto, sempre há espaço para retrocessos. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, com a recente descoberta de que seis transplantados foram contaminados pelo vírus HIV. Não por meio do sangue, que continua sendo seguro, mas por órgãos cujos doadores não passaram pela testagem necessária. O pior é que, segundo a polícia, não foi uma falha acidental. Foi ganância. Para economizar, o laboratório privado PCS Lab Saleme, contratado para realizar os testes pela Secretaria da Saúde do Rio de Janeiro, teria reduzido o uso de reagentes caros no processo. O caso é gravíssimo e precisa ser devidamente apurado, com a punição dos (ir)responsáveis. O Sistema Nacional de Transplantes é reconhecido como um dos mais transparentes e seguros do mundo. Não pode ter sua confiabilidade comprometida por gente leviana e inescrupulosa.