Ao escapar do tiro de fuzil que passou a milímetros de sua cabeça, Donald Trump nasceu de novo. É o que se diz popularmente quando alguém se salva da morte por um pequeno e inexplicável detalhe. Mais do que alvo de intolerância política, o ex-presidente foi vítima de um contexto nacional de violência decorrente do livre comércio, posse e manuseio de armas de fogo nos Estados Unidos.
Situação histórica reforçada pela Suprema Corte em 2008, baseada no propósito de autodefesa presente na Segunda Emenda da Constituição. Assim, 25 dos 50 Estados norte-americanos seguem à risca a decisão e não impõem restrição nem mesmo para o porte oculto de armas em locais públicos. Os demais 25 são mais rigorosos no controle, mas nenhum chega a impedir a livre circulação de armamento.
De acordo com pesquisa feita pelo projeto Small Arms Survey (SAS), com base na Suíça, existem 120 armas para cada 100 americanos, número não igualado por qualquer outra nação do mundo
Sempre vigilante, um poderoso lobby se movimenta para travar mudanças na lei. O grupo mais forte é a Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês), que possui cerca de 5 milhões de sócios. Seu principal argumento é de que armas tornam o país mais seguro. Assim, a população americana mantém um gigantesco arsenal em casa.
De acordo com pesquisa feita pelo projeto Small Arms Survey (SAS), com base na Suíça, existem 120 armas para cada 100 americanos, número não igualado por qualquer outra nação do mundo. Nesse ambiente, não surpreende que os Estados Unidos sejam o país desenvolvido com a maior taxa de mortes por armas de fogo, com índice de mortalidade quatro vezes superior ao do segundo colocado, que é a Suíça.
Os EUA também são os campeões em tiroteios em massa. Com 5% da população mundial, o país responde por mais de 30% dessas ocorrências. Os grandes massacres, como o que matou 18 pessoas em Lewiston, no Maine, em outubro do ano passado, são os que causam repercussão internacional, mas o fato é que o cotidiano do norte-americano é marcado pela violência armada, com mais de 100 vítimas fatais por dia.
Como se sabe, Trump não foi o primeiro político americano alvo de um atentado. O mais preocupante, entretanto, é saber que também não foi o último. A realidade mostra que um fato semelhante é mera questão de tempo.
No caso de Trump, é irônico ver que sobreviveu como um misto de mártir e herói a um evento extremo que ele e seus colegas de Partido Republicano ajudaram a potencializar, ao impedir o avanço de uma legislação mais severa contra as armas. Mais cínico ainda é saber que vai tirar grande proveito eleitoral do ocorrido.