A tortura é um dos atos mais infames que um ser humano pode cometer contra seu semelhante. Comum e aceita durante séculos, a odiosa prática é hoje considerada crime hediondo pela maioria das nações.
No Brasil, foi inserida na Constituição Federal de 1988 como crime imprescritível e inafiançável. No entanto, ainda foi necessário esperar mais nove anos por uma lei que viesse tipificar o delito e estabelecer as respectivas penas. Só que existem formas de tortura que escapam das definições legais, embora também causem pressão e medo nas vítimas. Pior ainda é quando ela surge revestida de proposta de lei.
É o caso do chamado PL do Aborto, projeto de lei do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) endossado por mais 32 parlamentares, entre eles os gaúchos Bibo Nunes (PL) e Franciane Bayer (Republicanos). A proposta equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao homicídio. Se for aprovada, a pena para as mulheres vítimas de estupro será maior do que a dos estupradores, já que a punição para o crime de estupro é de 10 anos de prisão, e as mulheres que abortarem podem ser condenadas a até 20 anos de prisão.
O texto transforma a vítima em criminosa e estabelece castigo por atos que ela não cometeu. Tratamento tão degradante e desumano equivale a tortura
Em outras palavras, deixa duas opções para a vítima da violência sexual: ou é presa pelo crime de aborto, ou é obrigada a gerar um filho do seu estuprador. Ou seja, o texto transforma a vítima em criminosa e estabelece castigo por atos que ela não cometeu. Tratamento tão degradante e desumano equivale a tortura. Tortura legalizada, patrocinada, incrivelmente, por gente que se diz defensora de valores cristãos. Imagina se não fossem.
Menos mal que o presidente da Câmara, Arthur Lira, resolveu criar uma comissão para discutir o assunto no segundo semestre. Não que Lira seja um bom samaritano. Ele só deu um passo atrás ao virar alvo dos protestos de autoridades e da sociedade civil contra a matéria. Macaco velho, sabe muito bem que, no Congresso, criar grupo de trabalho e adiar o debate de um projeto é o primeiro passo para enterrá-lo definitivamente e se livrar das consequências. Que assim seja.