O esporte sempre fez parte da minha vida. As minhas primeiras memórias afetivas são de jogar futebol com amigos, primos, colegas de aula. Mas também de praticar outras modalidades, como basquete, vôlei, futsal e atletismo, todas elas na Escola Almirante Barroso, na Rua Capitão Coelho, no bairro Arquipélago. Foi ali, na Ilha da Pintada, que recebi os primeiros ensinamentos da minha vida. Sejam eles no esporte, como respeito e lealdade na forma de competir, como a alfabetização e os princípios básicos de conviver com todos de forma harmônica.
Na Ilha da Pintada, morei até março de 1985 e lá vivi algumas enchentes. E a que mais me marcou foi a de junho de 1984, que obrigou o então prefeito João Dib a determinar o fechamento do portão do muro da Mauá no Cais Central de Porto Alegre pela primeira vez em sua história, algo que nos últimos anos se tornou comum. E claro que as lembranças não podem ser boas. Não sei o número de vezes que fui à escola de barco ou me esquivando pela rua para fugir da água que teimava em avançar na Rua Nossa Senhora da Boa Viagem, desde a parte em que vivia com meus pais e irmã até a escola, localizada na "área mais nobre da Ilha", digamos assim. Ali ainda estavam o posto de saúde, a praça, a igreja onde faria minha primeira comunhão, a hoje famosa casa de bombas e a colônia de pescadores Z-5, onde meu pai, tios e avós eram associados.
Pois bem. Essa cheia de 1984 foi determinante na minha vida. Enquanto meu pai ficou para cuidar da casa e de seu pequeno comércio, eu, minha mãe e irmã saímos para a casa da minha madrinha, na região da Avenida Cristóvão Colombo. A água não tomou nossa casa como fez nos últimos anos com milhares de gaúchos, mas ela passou pelo piso, silenciosa como sempre é. Alguns dias depois, voltamos e meus pais tomaram a decisão de se mudar. Foi assim, que no começo de 1985 viemos para a zona sul da capital.
E uma das coisa que aprendi nesse período é que é necessário respeitar a água. Não podemos enfrentá-la, assim como não devemos fazer com nada que seja da Natureza. Na verdade, somos privilegiados com o que ela nos oferta, mesmo que não devolvamos na mesma medida.
Com essas memórias que compartilho aqui, quero dizer que sempre tem um recomeço. Sempre um novo caminho vai se abrir. Assim como será para milhares de gaúchos nesses próximos meses. Um período de reflexão, de reconstrução e de união. Somos fortes, aguerridos e bravos, como diz a letra do nosso hino. E a virtude maior de nosso povo é não baixar a cabeça, é lutar até o último instante.
No judô, por exemplo, se diz que ninguém “aprende a cair", mas sim aprende a levantar e a criar um padrão seguro de se defender para seguir na luta procurando a vitória. Se aprende a levantar quantas vezes forem necessárias, mesmo de grandes queda. É com esse espírito que devemos encarar a missão que temos. Reconstruir, renovar, buscar caminhos e ir em frente. É hora de ir Pra cima, Rio Grande!.
E curiosamente enquanto vou escrevendo este texto, neste domingo ensolarado, recebo a notícia de que meus tios Leco e Ilda, minha prima Sabrina, o marido e seus dois filhos estão retornando para suas casas na Ilha da Pintada, após ficarem na casa de meus pais à espera do fim dessa tormenta. Para eles chegou a hora de mais uma vez levantar e recomeçar.