Primeira ginasta brasileira a conquistar uma medalha de ouro olímpica, na disputa do salto, nos Jogos de Tóquio, Rebeca Andrade colhe cada vez mais frutos de seu trabalho. O fenômeno do esporte brasileiro venceu, no ano passado, a prova mais difícil da modalidade, o individual geral. A disputa premia a atleta mais completa, somando as notas dos quatro aparelhos. No Mundial disputado em Liverpool, na Inglaterra, ela subiu no degrau mais alto do pódio.
Curiosamente, a medalha de ouro da paulista sempre foi esperada no solo, especialmente após ela ter ótimas apresentações ao som de Baile de Favela. Mas o quinto lugar em Tóquio e o bronze em Liverpool não coroaram o casamento entre Rebeca e a música. Mas nada disso tira o brilho de suas conquistas e o tamanho que ela adquiriu no esporte brasileiro e mundial.
Rebeca Andrade é, hoje, umas das atletas mais reconhecidas do planeta e, onde quer que se apresente, carrega a atenção de todos. É com essa expectativa em cima do que ainda pode fazer que ela recebeu, na última quinta-feira (2), o troféu individual do Prêmio Brasil Olímpico. Horas antes, logo após encerrar um treinamento, ela conversou com um grupo de quatro jornalistas, incluindo a reportagem de GZH, que visitavam o CT Time Brasil, onde a seleção brasileira de ginástica artística faz sua preparação.
Apesar da pouca idade, apenas 23 anos, Rebeca demonstra grande maturidade e se mostra pronta para liderar não só a ginástica brasileira, mas toda uma geração de jovens atletas. Confira a entrevista.
No ginásio do CT, as fotos dos medalhistas olímpicos e mundiais estão nas paredes, como quadros. A sua está perto da Daiane dos Santos. O que isso significa?
Por tudo que ela fez pelo Brasil e pela ginástica, eu me orgulho muito de ter a minha ao foto ao lado da dela. É algo que me orgulha demais, conseguir alcançar o tanto que ela alcançou e hoje ser uma inspiração pra tantas pessoas, assim como ela foi e como ela é, porque ela continua sendo a minha inspiração.
Hoje você inspira muitas pessoas. Como você lida com essa questão de ser exemplo, especialmente para muitas crianças ?
Eu sou uma pessoa muito tranquila, então, eu mostro através da minha ginástica mesmo. E quando eu tenho a oportunidade de falar, ou até mesmo as crianças me perguntam alguma coisa, acho muito legal poder compartilhar a minha história e mostrar que não foi fácil chegar até aqui, mas que eu acreditei muito no processo de tudo que passei, que eu conseguiria voltar depois de todas as lesões, acreditei em todos os profissionais que estavam comigo. Porque é isso, você confiar mesmo sem saber (o resultado). Eu não falo cegamente, até porque eu confio no trabalho deles, mas é acreditar mesmo que vai dar certo e fazer acontecer. E é isso que eu consigo passar pra elas, esse amor que eu tenho pela ginástica e essa vontade de vencer e acreditar que, se você tem um objetivo, você precisa fazer acontecer. Abrir mão de várias coisas, mas que no final vai valer a pena. Eu não me arrependo de nada da minha história. Seu eu tivesse que repetir tudo de novo, um milhão de vezes, eu passaria. Porque me trouxe pro lugar onde eu queria estar, de hoje poder ser inspiração, de ser um espelho, ter as minhas medalhas , de levar o nome do meu treinador, da minha equipe, ter a minha família mais unida do que nunca. Então, eu me orgulho demais.
E o futuro. Como você planeja este ano pré-olímpico e, claro, a Olimpíada em Paris?
O resultado é consequência do trabalho e a gente sempre tem que pensar em um dia de cada vez. Tem muitas competições esse ano, então, é me preparar para a minha primeira competição, (antes) do que pensar em outra. Estar feliz, saudável, porque se eu não estiver feliz e saudável, eu não vou conseguir fazer meu melhor trabalho e a vaga (olímpica). Se a gente não tiver a vaga, não vamos pra Paris. Então, um dos principais focos é conseguir nossa vaga como equipe e, lá, seja o que Deus quiser. Tenho certeza de que a gente vai dar 110% em todas as competições, esse ano e em Paris também.
Existe alguma diferença de preparação de uma Olimpíada para outra, já que agora você tem o resultado, as medalhas?
Eu não sei se mudou muito na minha cabeça. Mas a forma como as pessoas te enxergam é diferente. Antes, me enxergavam como a Rebeca com potencial e, hoje, é a Rebeca medalhista olímpica e mundial. E isso é muito bom pro atleta, porque está sendo reconhecido pelo trabalho. Mas, pelo nosso planejamento dentro do ginásio e na minha cabeça, não muda nada. Eu sou a mesma pessoa que eu era antes da medalha. O trabalho é o mesmo, o foco é o mesmo, a confiança que eu tenho no meu treinador (Francisco Porath) é a mesma. É um trabalho em equipe. Eu não posso querer fazer uma competição por equipe sozinha, eu preciso das meninas junto comigo. A vontade de vencer, de querer ter os resultados, é a mesma. Na minha cabeça, eu sou a mesma pessoa com sangue nos olhos, faca na mão e vamos com tudo! Não muda muito, o planejamento continua sendo o mesmo, forte para que a gente fique segura, saudável, pra que chegue na competição com o corpo e a mente firmes pra fazer o máximo.
Eu não posso me importar com as expectativas dos outros.
REBECA ANDRADE
Ginasta campeã olímpica e mundial fala sobre pressão por resultados
A questão de saúde mental foi muito discutida nos Jogos de Tóquio. Teve o caso da Siomne Biles (que acabou não competindo por não se sentir bem). Como você faz essa preparação mental?
Eu faço acompanhamento psicológico desde os 13 anos e por muito tempo, eu me preocupei muito com o que as pessoas achavam e esperavam que eu fosse dentro do esporte, justamente por desde muito nova falarem que eu era uma promessa. E partir do momento em que eu mudei na minha cabeça e falei “a única pessoa que eu posso controlar sou eu mesma". Se eu não ganhar, você pode ficar decepcionado comigo, mas isso não pode me afetar ao ponto de que não conseguir ir ao próximo dia de competição. Eu trabalhei muito isso com a Aline (Wolff), que é a minha psicóloga, de não dar importância pra esse tipo de pensamento. Porque todo mundo quer ganhar e é claro que os brasileiros esperam que a gente ganhe, assim como nos outros países as pessoas esperam que eles ganhem. E você não pode deixar isso te afetar. Eu acho que isso foi o diferencial pra mim em Tóquio. Eu cheguei na competição e não tinha obrigação nenhuma de voltar com medalha, tinha obrigação de fazer o meu trabalho, de mostrar o meu máximo e, aí, deu tudo certo. Eu tenho que fazer o que eu espero, dar o meu melhor por mim e pra mim.
E ser a vencedora do Prêmio Brasil Olímpico na categoria feminina. O que representa pra você?
É muito bom. Ano passado eu não pude estar presente (ela foi a eleita). A primeira vez em que eu fui (na cerimônia), eu nem tinha sido indicada, tinha sido a Flávia (Saraiva), e eu vi como é gostoso, emocionante de estar lá (no palco), de ver todo mundo com brilho nos olhos, porque querendo ou não vem a lembrança de tudo que você fez. Então vai muito além de só uma premiação, de uma conquista. É um orgulho, e eu me sinto muito honrada de ter sido indicada com tanto carinho das pessoas, de falarem meu nome, que vão votar em mim. Isso é muito bom e me incentiva pra continuar treinando, trazendo esses resultados, voltando pra casa com o troféu do Prêmio Brasil Olímpico, que é algo muito grande. Me sinto lisonjeada.
O que você acredita que tem, se é que tem, que mudar em sua preparação até os Jogos de Paris ?
Eu acho que melhorar a gente sempre pode. Mas o trabalho que a gente vem fazendo está dando certo. Então, acredito que não tem muito o que mudar e a gente precisa ser inteligente e pensar em qual o melhor momento pra voltar a fazer solo, fazer séries de paralelas, trave... Esse tipo de pensamento é que vai definir o meu ano inteiro (2023), como eu vou chegar nas próximas competições. Eu acho que é manter e se precisar aumentar que vai responder melhor é o Chico (Franciso).
E o que o Brasil vai dançar com você depois do sucesso do Baile de Favela?
Até eu estou esperando pra descobrir. Por enquanto, não tenho nada ainda e estou muito ansiosa. A gente vai começar um camp (período de treinamento nos CT da Ginástica no Rio de Janeiro), o Rhony (Ferreira) está vindo e eu espero que ele já venha com alguma surpresa pra mim, porque eu ainda não sei e estou tão ansiosa quanto vocês.
E esse sucesso do Baile de Favela, assim como foi do Brasileirinho com a Daiane dos Santos, a que você atribui?
Eu acho que representou demais o Brasil, as favelas, as pessoas pretas. Eu, como pessoa preta, ser a pessoa que levou isso pro mundo inteiro fez toda a diferença. E o funk é um ritmo que alegra todo mundo. Não tinha público lá em Tóquio (por conta da covid-19), mas todas as pessoas, os voluntários, a arbitragem, as ginastas... se encantaram mesmo. Porque a batida é muito legal e a música é sensacional e supercombinou comigo. Eu fazia (a apresentação) com gosto, com sorriso, e quando você encaixa com a música, tudo fica diferente. Além de ter representado muitas coisas, a música também era muito boa, muito forte, boa de ouvir, gostosa pela batida, pela dança.
* O repórter viajou a convite do Comitê Olímpico do Brasil