Primeira ginasta brasileira a se consagrar campeã mundial, Daiane dos Santos foi uma das principais atrações da 23ª edição do Prêmio Brasil Olímpico, realizado no último dia 2, na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Na cerimônia, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) entregou à gaúcha, que ao som de Brasileirinho ganhou o mundo ao garantir medalha de ouro no solo, nos Estados Unidos, em 2003, o Troféu Adhemar Ferreira da Silva, a mais alta honraria ofertada pela entidade.
Emocionada, ela subiu ao palco sambando e fez um belo discurso lembrando sua origem e também a importância de ser referência para outros atletas, como a campeã olímpica e mundial Rebeca Andrade.
Comentarista esportiva, influencer, professora de educação física, Daiane ainda cuida de seu projeto social – o Brasileirinhos, que oferece ginástica artística gratuita para crianças carentes. Após receber o prêmio oferecido pelo COB, ela conversou com a coluna e falou sobre a homenagem, o futuro da ginástica brasileira e também sobre o filme que irá contar sua trajetória. O longa metragem será ambientado nos anos 1990 e início de 2000 e será realizado pela produtora Maria Farinha Filmes.
O que você sentiu ao receber o Troféu Adhemar Ferreira?
Eu não consigo nem descrever o que eu senti. Desde quando eu soube da escolha do Comitê Olímpico do Brasil (COB) pelo meu nome eu perguntei: "será que eu mereço?Poder representar as mulheres pretas, gaúchas, isso é muito legal. Representar o meu esporte, ser a primeira ginasta a estar fazendo parte desse quadro. Eu espero que possam vir outros lá na frente.
Você acredita que essa premiação coroa não só a carreira na ginástica, mas tudo que você representou para o esporte e o que vem fazendo com seu projeto social Brasileirinhos ?
Hoje, eu não sou mais atleta, estou do outro lado, como torcedora, comentarista, de quem vai vibrar e chorar com as vitórias, até quando elas não vêm. Estar do outro lado e poder ser premiada é um momento diferente, de total transição de carreira. Por isso é muito bom receber essa premiação agora, porque ela não está falando só sobre esporte, medalhas e títulos, mas sim do que o esporte faz na nossa vida e na vida das pessoas, e como a gente conduz isso. Então, é muito especial por tudo que representa o Troféu Adhemar Ferreira da Silva, porque esse é o verdadeiro olhar do esporte, é mais do que físico, é mais que emocional, é uma construção de oportunidade para formar um melhor ser humano lá na frente. E foi isso que o esporte fez por mim.
Como você avalia a formação de atletas no Brasil ?
A gente tem conquistado cada vez mais resultados na ginástica. E eu não falo só da artística, mas também da rítmica, do trampolim. A gente vem num crescimento muito bacana. É um legado que a gente quer. Que essa porta não se feche e venham mais Rebeca, Nory, Gigi (Geovanna Santos), Alice (Gomes) e tantas outras meninas e meninos que representam a ginástica brasileira. É o nome do Brasil que vem crescendo. O COB em parceria com a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) vem fazendo um trabalho extraordinário e os resultados são a resposta dos atletas. E o que eu desejo é que continue assim e venham mais títulos. A gente nunca cansa disso (conquistas).
Ao contrário de gerações passadas, incluindo a sua, hoje a ginástica tem um moderno e amplo Centro de Treinamentos na Arena da Barra, no CT do Time Brasil. O que isso significa para o crescimento do esporte ?
O CT é uma referência no mundo, com toda a estrutura que tem, não só física, mas de corpo humano também, com um atendimento que é muito importante falar, com profissionais preparados para atender os atletas. Porque não é só o treinador. Tem toda uma equipe multidisciplinar que faz um trabalho para que eles (atletas) possam desenvolver o máximo possível. Acho que é muito boa essa evolução. É algo que Luísa (Parente) e Soraya (Carvalho) sentiam isso quando viam a gente também. Essa evolução, essa construção. E o que a gente deseja é que isso não pare, que seja perene, que outras gerações venham. Porque os que estão lá (na seleção) agora, daqui a pouco estarão aqui. Que outros venham, que possam ganhar essa oportunidade. A gente tem a melhor casa, com as melhores equipes e o melhor atendimento.
A minha história é muito parecida com a maioria dos brasileiros, que vieram de origem humilde, que construíram uma carreira, que não foi fácil e que em muitos momentos tiveram a vontade de desistir, mas não desistiram e tiveram resultado positivo, através dessa perseverança
DAIANE DOS SANTOS
Sobre o projeto que você tem, o Brasileirinhos. Sua participação como embaixadora da ONU Mulheres...
Quando a gente é atleta vai ganhando maturidade com o tempo. É uma caminhada. Os atletas desempenham esse papel de uma forma diferente. Quando a gente sai do foco da medalha, título, troféu, que é algo quantitativo, a gente começa a olhar de uma forma qualitativa, que impacta mais na vida das pessoas. A gente busca dividir isso (resultados) com mais pessoas, as oportunidades de conviver e ser construída através do esporte. E tudo isso depois que a gente para consegue compreender melhor e trabalhar inclusive nas outras pessoas também. E é isso que tem acontecido. Isso é muita inspiração que veio de outros atletas que vi fazendo isso. Tem muita gente fazendo isso há muito tempo, e eles me serviram como motivação pra eu entender que tudo que foi bom pra mim, tem que ser bom pra outros também.
E o filme que vai contar sua vida ?
Que delícia né ! A Flávia Vieira (cineasta) veio com esse presente, da minha história poder ser contada um pouco, principalmente dos bastidores, da busca pela medalha, dos resultados, que a gente sabe que não é fácil, mas que é muito prazeroso porque a gente ama o que faz. E poder ver a história da minha família, da minha construção com meus treinadores, com as meninas (ginastas), é encantador pra mim. Estou ansiosa pra acontecer logo, e o que mais desejo é que as pessoas curtam e se identifiquem. A minha história é muito parecida com a maioria dos brasileiros, que vieram de origem humilde, que construíram uma carreira, que não foi fácil e que em muitos momentos tiveram a vontade de desistir, mas não desistiram e tiveram resultado positivo, através dessa perseverança. Eu desejo muito que as pessoas se identifiquem porque essa história é de todos os brasileiros, não só da Daiane, essa história é nossa.
É muito bom poder ver a pele escura como uma referência de vitória. Durante muito tempo, a gente passou e ainda passa por momentos delicados, principalmente a mulher preta
DAIANE DOS SANTOS
Você se tornou uma referência para jovens mulheres negras...
É muito bom poder ver a pele escura como uma referência de vitória. Durante muito tempo, a gente passou e ainda passa por momentos delicados, principalmente a mulher preta. Em uma escala, a gente está no quarto lugar, fora do pódio. Porque primeiro vem homem branco, depois o homem preto, a mulher branca e depois a mulher preta. Isso não sou eu que estou falando, são as estatísticas. E uma das coisas que eu acredito muito é que essa mudança em mim quem fez foram os meus professores. Hoje sou professora de educação física e poder ter esse olhar de (ser) referência para as meninas pretas, de que é possível pra todo mundo. Porque como diz o meu pai "o talento não está na cor da pele, mas sim na oportunidade". Então, eu fico muito orgulhosa de ser lembrada por elas, até porque outras mulheres pretas já fizeram isso por mim, dentro da minha casa (mãe), fora da minha casa, na vida esportiva, e fazem até hoje. E tomara que elas possam passar esse legado pra frente, que elas pensem assim, estimulem outros jovens a também olhar para essas mulheres pretas.