Em um país onde a cultura esportiva é dominada pelo futebol e que, por isso, exige que para ser reconhecido o atleta seja campeão "para entrar para a história", "para ter a foto na parede", estar entre os melhores parece não ser suficiente.
Pois esta cobrança exagerada deixou de dar em muitos momentos a exata dimensão e reconhecimento que alguns atletas brasileiros mereceram ao longo de suas carreiras. Por exemplo, Rubens Barrichello e Felipe Massa ficaram taxados como derrotados por não terem impedido Michael Schumacher, simplesmente um dos maiores campeões da história da Fórmula-1. Tudo porque se exigia que eles fossem "um novo Senna", o eterno tricampeã morto em uma curva do autódromo de Ímola em 1994.
Até mesmo no futebol as comparações com Pelé, Zico, Maradona, Messi, Ronaldo, Romário e Ronaldinho Gaúcho são nocivas à jovens com potencial. No tênis, esperamos algumas décadas para ter uma jogadora capaz de entrar no grupo de Maria Esther Bueno. Ela surgiu e ainda necessita de algum tempo. Falo de Bia Haddad Maia, que será sem dúvida alguma uma das 10 melhores do mundo dentro em breve. E ser a atual número 12 já é um fato gigantesco, mesmo que por vezes não seja percebido pelo grande público.
E as comparações com Guga Kuerten, tricampeão do mundo e primeiro brasileiro a liderar o ranking da ATP ? Estas podem ser ainda mais cruéis. Por exemplo, o promissor Tiago Fernandes, que aos 17 anos foi campeão da chave juvenil do Aberto da Austrália de 2010 e número 1 do ranking mundial da categoria, não suportou e, depois de menos de quatro temporadas como profissional, decidiu abandonar a carreira.
Em 2020, já com 27 anos, Tiago escreveu um artigo para o projeto "A Voz do Tênis" e explicou suas razões e falou sobre as inevitáveis comparações: " Não lembro exatamente quando foi a primeira vez que fui chamado de novo Guga. Quando eu venci o Aberto da Austrália juvenil, em 2010, a comparação veio com tudo. Fui destaque em jornais, na televisão e tudo que você possa imaginar. Em qualquer esporte, quando você tem um ídolo, a comparação é natural. Acho que isso veio forte também quando atingi o topo do ranking juvenil porque o Guga não fez isso, apesar de ter sido excelente também".
Porque citei alguns exemplos antes de falar de quem é o tema principal ? Para dizer que se você não o considera um dos principais esportistas do Brasil nos últimos 15 anos pode estar incorrendo em grande erro. Falo de Thomaz Bellucci, que aos 35 anos está abandonando o tênis profissional. Nesta terça-feira (21), ele entrará em quadra no Jockey Club Brasileiro para encarar o argentino Sebastián Báez, 13 anos mais jovem e vice-campeão juvenil de Roland Garros em 2018, pela primeira rodada do Rio Open.
Pois Thomaz Bellucci sustentou o tênis brasileiro num período pós-Guga e Fernando Meligeni, ícones de uma geração, e obteve resultados extraordinários. Foram quatro títulos no circuito da ATP em oito finais, além de algumas vitórias sobre tenistas do top-10, como Andy Murray, Kei Nishikori e David Ferrer, além de duelos extraordinários contra Novak Djokovic, que chegou a perder set no Masters de Roma por 6/0 para o brasileiro e só vencê-lo em três sets na semifinal do Masters de Madrid de 2011. O mesmo vale para Rafael Nadal, que fez um épico enfrentamento com o paulista nas quartas de final dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016, quando o espanhol precisou mostrar todas as suas habilidades para vencer, depois de levar um 6/2 no set inicial.
Sempre pressionado ao longo dos anos, e mesmo tendo chegado ao posto de número 21 do mundo, em julho de 2010, Thomaz Bellucci fez uma sólida carreira, que acabou sendo atrapalhada por uma série de lesões que o impediram de manter o alto nível. Para se ter ideia, ele ficou entre 2008 e 2017 no top-100 do ranking mundial. Você sabe o que significa ser um dos 100 melhores do mundo naquilo que se faz? Não. Pois bem, o canhoto brasileiro por 217 semanas esteve classificado entre os 50 primeiros do ranking.
Sim, Thomaz foi um dos grandes nomes do tênis brasileiro, mas as inevitáveis comparações o diminuíram como se ele jamais tivesse feito nada pelo esporte. Por isso, a noite desta terça (21) deve entrar para a história da modalidade, quando na Quadra Guga Kuerten, a principal do Rio Open, Bellucci poderá estar disputando o último jogo da carreira.