O estádio 974, onde o Brasil disputou as oitavas de final contra a Coreia do Sul, recebeu seu último jogo. Não haverá mais nenhuma partida nessa arena na Copa, e ela vai deixar de existir, pois será toda desmontada assim que o Mundial acabar. A construção com contêineres, que chamou atenção do mundo, foi inspirada nessa região da cidade.
O 974 fica próximo ao porto de Doha. Todas as vezes em que tinha ido até lá nessa cobertura, havia chegado de van, carro ou metrô. No primeiro jogo brasileiro de mata-mata, decidimos percorrer a pé, pela orla, os 10 quilômetros que separam o nosso hotel, em West Bay, do palco do jogo. Saímos da zona de prédios gigantescos com arquitetura impressionante, e, no caminho, fomos descobrindo uma Doha que não está aparecendo para o mundo. E não estou me referindo a todas às questões que envolvem direitos humanos e moradias inaceitáveis. Falo de prédios comuns, “casas simples com cadeiras na calçada”, como diria Chico Buarque na letra da canção Gente Humilde. O calor aqui não permite a cadeirinha do lado de fora, mas vou descrever o cenário que encontrei nesse deslocamento e que me parece mais próximo da vida cotidiana de qualquer cidade comum.
De uma sacada pequena, em um prédio com a tinta descascando, um senhor segura uma caneca e olha para o horizonte. Pele escura, bigode com fios pretos, sem camisa. Compatível com a temperatura do termômetro, que marca 33ºC, mas absolutamente incomum por aqui. Ele avista nossa equipe lá do alto e começa a abanar com um largo sorriso no rosto. Faço uma brincadeira levantando a braços como se estivesse torcendo, e ele imita. Distantes, nos divertimos. Juntos, mesmo separados.
Na próxima quadra, encontro uma padaria. Só identifico porque da única pequena porta se vê enormes discos de pão árabe, quentinhos, entregues. Do contrário, não identificaria, porque a placa está apenas em árabe. Uma senhora com a cabeça coberta por um lenço estampado e colorido sai com uma sacola cheia. Ao lado, funciona uma lavanderia, que também vende os thobes — as túnicas brancas utilizadas pelos homens aqui. O tecido é bem menos sofisticado do que aqueles que vejo circulando em outras regiões da cidade.
Para completar o cenário, um conjunto de casas bem pequenas, com telhados retos, se apresenta como um amontoado de cubos brancos sobrepostos. Homens formam rodas de conversa em meio a algumas antenas, de TV ou internet, não consigo ter certeza. Vários fumam. Vou acompanhando a fumaça que sobe rumo ao céu e tomo um susto com o que vejo: galinhas! Várias delas! Absolutamente deslocadas no cenário de uma grande metrópole na minha visão. Mas bem à vontade ali, zanzando pelos telhados. De tudo que imaginei que contaria para vocês aqui nesse espaço sobre o Catar, jamais imaginei que falaria de galinhas. Mas, sim, até elas estão aqui para essa Copa que quase ninguém tá vendo.
Cordeiro no prato
Adoro carne de ovelha. No churrasco lá em casa, meu pai vai deixando a paleta por último e, depois de todo o pão com alho, vazio, picanha, costumamos dizer que ela é a sobremesa. Antes de viajar para o Catar estava salivando pelo principal prato da culinário local. O machboos é um arroz com cordeiro.
Dei a primeira garfada e lembrei da comidinha de casa, só que com mais tempero e apreciado de uma forma diferente. Esse certamente vou reproduzir na cozinha em Porto Alegre na volta. Acompanhado do delicioso lemon mint, um suco de limão com hortelã batido no liquidificador com gelo, que peço em todos os restaurantes em que vou por aqui. Prepara aí família, vai ter culinária árabe gaúcha na minha volta!