O bom resultado das lavouras de soja ajudará a irrigar também a economia nos municípios gaúchos, após um 2020 marcado por perdas provocadas pela pandemia e a estiagem. A entrada da safra recorde de soja alimenta as expectativas, em especial, de comércio e serviços nos municípios do Interior. A lógica é simples: com o dinheiro do grão no bolso, o produtor tende a consumir mais e, assim, fazer girar a economia local.
— Essa safra fará diferença gigantesca e o ingresso de renda irá dinamizar as demais atividades além da agropecuária. No ano passado, tivemos municípios em que os efeitos da estiagem foram até maiores do que os da pandemia na economia local — afirma Patrícia Palermo, economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e Serviços do Estado (Fecomércio-RS).
Patrícia lembra que a renda da safra tende a impulsionar atividades como venda de veículos, materiais de construção, imóveis e eletrodomésticos, entre outros itens. Ainda assim, faz a ressalva de que o efeito poderá ser menor caso os setores considerados não essenciais tenham de voltar a fechar as portas devido ao recrudescimento da pandemia. A economista enfatiza a necessidade de se vacinar rapidamente a população para conter o coronavírus e, consequentemente, evitar novas restrições.
A agropecuária é a principal atividade econômica em 90 dos 497 municípios gaúchos, de acordo com dados do PIB Municipal de 2018 — edição mais recente disponível — compilados pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE), vinculado ao governo do Estado. Isso equivale a 18,1% das cidades, ou praticamente uma em cada cinco. Além disso, em muitas localidades do Interior onde serviços ou indústria são a principal atividade, o setor primário exerce o papel de motor da economia.
É o caso de Catuípe, no Noroeste. A agropecuária responde por 41% do Produto Interno Bruto (PIB) local. O índice fica acima da média do Estado, que é de 9%, mas ainda é inferior à participação dos serviços, com 55%. Contudo, uma série de estabelecimentos do comércio — inseridos no setor terciário — dependem diretamente do que ocorre nas lavouras.
Que o diga Paulo Darloss, dono de uma loja de peças de máquinas agrícolas. É no período de colheita que sua empresa vê o faturamento disparar. Para dar conta da demanda por peças para colheitadeiras, seu carro-chefe nesta época, em alguns dias amplia o atendimento até as 23h. Abril é seu mês de maior receita no ano. Em 2021, com a perspectiva de safra recorde, a atividade tem sido intensa, conta:
— O movimento triplica na colheita da soja. Desta vez, o pessoal está investindo mais em peças novas. Com a estiagem do ano passado, as vendas caíram 20%, pois o agricultor procurou economizar mais.
Outras empresas da cidade, mesmo sem relação direta com o campo, também são beneficiadas pelo movimento de safra. Nas lojas de eletrodomésticos, o período de colheita resulta em receita semelhante à de datas comemorativas.
— Abril, mês de colheita, só fica abaixo de dezembro, quando ocorrem as vendas de Natal. Com o preço bom da soja, este deve ser o ano de maior impacto nas vendas — diz o gerente Jocemar Marchezan.
A expectativa de Marchezan é de que as vendas de materiais de construção, móveis e eletrodomésticos, como geladeiras e fogões, puxem a receita de abril e ajudem a compensar as perdas durante pandemia. Em março, a loja chegou a interromper a venda de itens não essenciais, atendendo às regras da bandeira preta do modelo de distanciamento controlado.
PIB gaúcho deverá subir acima da média do país
A safra de verão do Rio Grande do Sul costuma ditar o ritmo do Produto Interno Bruto (PIB). Em anos de quebra na colheita, a economia do Estado tende a recuar e ter desempenho inferior à média do Brasil. Por outro lado, quando o rendimento das lavouras é farto, a retomada vem a galope e o crescimento é superior ao do país. É o que evidenciam os dados elaborados pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O fenômeno ocorreu repetidas vezes nas últimas duas décadas. Em 2005, ano de seca e quebra na safra, o PIB do Rio Grande do Sul caiu 2,7%, enquanto o do Brasil subiu 4,1%. Já em 2006, a produção de grãos se normalizou, o Estado teve expansão de 4,1% e o país, 4%. Em 2012, a estiagem voltou a castigar as lavouras e a economia gaúcha encolheu 2,1%, ao mesmo tempo em que a brasileira avançou 1,9%. No ano seguinte, o Estado teve elevação de 8,5% e a variação nacional foi de 3%.
A tendência é de que o fenômeno se repita em 2021, na avaliação de Martinho Lazzari, economista e pesquisador do DEE. No ano passado, a economia brasileira caiu 4,1% em 2020, com os efeitos da pandemia, e a gaúcha desabou 7%, no qual o desempenho ruim do campo intensificou o tombo.
— Sempre que temos um crescimento forte na agropecuária, a tendência é de que a economia do Rio Grande do Sul vá melhor que a do Brasil. Ainda há as incertezas geradas pela pandemia, mas se pode dizer que haverá um efeito positivo vindo da agropecuária no PIB gaúcho, ao contrário do ano anterior — diz Lazzari.
Mesmo com a agropecuária representando 9% do PIB do Estado, o segmento se entrelaça com ramos da indústria e dos serviços. Com isso, o impacto do agronegócio na economia local alcança até 40% do PIB. Com os preços recordes dos grãos impactando o valor bruto da produção, Lazzari ainda acredita que a participação direta do setor primário poderá chegar aos dois dígitos neste ano.