Fonte de renda para milhares de famílias no sul do Rio Grande do Sul, a captura do camarão na Lagoa dos Patos começou no dia 1º de fevereiro e animou consumidores pelo preço baixo nestes primeiros dias. A grande quantidade de crustáceo no começo da safra fez com que os valores despencassem, situação boa para clientes e vendedores, mas nem tanto para os pescadores.
A explicação para tanta pesca é a estiagem na primavera de 2020, o que favoreceu a entrada de água salgada na lagoa, que ficou com menos água doce e com mais espaço para as larvas do camarão se desenvolverem.
Segundo o professor Luiz Felipe Dumont, do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), esse animal demora quatro meses para se desenvolver, e as condições climáticas foram muito favoráveis até aqui.
– Todos esses elementos do tempo favoreceram o desenvolvimento do camarão para que ele atingisse um tamanho comercial já nos primeiros dias. Mas um período chuvoso nos próximos dias pode influenciar no restante da safra.
Secretário da pesca de Rio Grande, Bercilio Silva também adota a cautela. Apesar de o município ter mais de 1 mil pescadores cadastrados e, em média, capturar cerca de 4 mil toneladas de camarão por ano, ele sabe que o resultado final vai depender do tempo até o final de fevereiro.
– Não podemos fazer um diagnóstico agora, mas os primeiros sinais é de uma safra acima da média. Tenho cautela principalmente por causa do tempo chuvoso que poderemos ter - conclui Bercilio.
Pescadores reclamam do valor
O preço do camarão é considerado baixo pelos pescadores, e muitas vezes acaba não compensando para eles. Atualmente comercializado entre R$ 5 e R$ 6, o valor está bem abaixo do que era praticado no começo dos anos 2000, quando custava entre R$ 10 e R$ 11.
– Tudo aumentou de preço: o combustível, os alimentos. Mas o camarão aqui não. Entendemos que a quantidade é elevada e que com mais camarão o preço fica menor, mas temos que equilibrar isso pensando no pescador que sofre muito para garantir o produto até a mesa das pessoas - reivindica Nilton Machado, presidente da Associação de Pescadores da Z1.
Dezenas de desempregados e aposentados aderem à pesca do camarão no começo da safra com alternativa de renda.
A rotina dos pescadores é intensa nos meses entre fevereiro e maio. A maioria dos trabalhadores inicia o trabalho durante o período da tarde, permanecem até a noite e retornam no começo da manhã. Em média, cada embarcação costuma pegar entre 70kg e 150kg por dia. A venda do crustáceo ocorre logo após a chegada das embarcações, onde dezenas de pessoas aguardam para comprar, seja para consumo próprio ou para revenda.
Uma das revendedoras de Rio Grande é Vera Regina Moraes. Ela compra diariamente camarão que chega capturado pelo vizinho. Há 15 anos, ela monta uma banca na Rua Henrique Pancada, revendendo camarão com casca ou sem casca. Durante todo o ano, ela e a filha trabalham como cozinheira e manicure, respectivamente, mas no período da safra elas se dedicam à venda do crustáceo. A família revende em média 100kg de camarão por dia, que podem custar entre R$ 10 o quilo com casca até R$ 25 se for sem.
– Essa é a melhor época do ano para a gente. Trabalhamos de domingo a domingo, mas temos um retorno muito bom. As vendas estão ótimas neste ano, estamos torcendo para que continue assim, com muitos clientes - explicou a comerciante.
Entre os clientes de Vera, o aposentado Marines Moura fez uma rápida pesquisa entre as bancas espalhadas por Rio Grande e encontrou o preço mais baixo ali. Com a intenção de fazer um almoço com a esposa e depois guardar o restante na geladeira para os próximos dias, o aposentado comprou 2kg, e comemorou o preço baixo.
- É a primeira vez que compro camarão neste ano e o preço está menor do que nos últimos tempos, com certeza vou voltar para comprar mais nos próximos dias.
Ao todo, Rio Grande tem 25 bancas comercializando camarão espalhadas pela cidade. Todas estão registradas na Secretaria de Pesca e passaram por avaliação sanitária. Além disso, também é possível comprar camarão com preço baixo nas docas do Mercado Público da cidade. O preço nesta terça-feira (9) variou entre R$ 25 e R$ 38 sem casca, e entre R$ 8 e R$ 15 com casca. A maioria das bancas aceita cartão de crédito.
Pescador há mais de 50 anos
Morador da Vila São Miguel, uma das maiores colônias de pescadores do Estado, Santos Rodalto, conhecido como Darte, trabalha na pesca há 51 anos. Atualmente com 59, conseguiu criar dois filhos e sustenta a casa com a esposa graças à captura do camarão. Segundo ele, a paixão pela pesca foi passada de geração para geração.
Filho de pescadores, ele começou a pescar aos oito anos para ajudar a família. Acumulando safras boas e outras nem tanto, Darte se casou com Maria da Graça Borges, também filha de pescadores.
Ele contou durante toda a vida com a ajuda da esposa para limpar os camarões e até os siris que muitas vezes acabam sendo pescados na mesma rede. Segundo ele, sem o apoio das esposas, muitos pescadores não sobreviveriam.
- Pouco se fala sobre as mulheres dos pescadores, mas se não fossem elas, talvez não estivéssemos aqui. São elas que dão o suporte para ficarmos noites fora buscando alimento, e quando chegamos, são elas as primeiras a nos ajudar.
Atualmente com a família maior, Darte não pensa em parar de pescar. Mesmo com problemas na coluna devido ao esforço por descarregar diariamente centenas de quilos de camarão, a pescaria segue sendo essencial nas finanças da família. Além disso, a esperança é passar para a próxima geração a vivência.
- Ensinei para os meus filhos a pesca e, até os 18 anos, eles estiveram comigo. Hoje, graças a Deus, os dois trabalham em empresas consolidadas, mas já penso em ensinar para os meus netinhos. Daqui a pouco eles já estarão aqui comigo - projeta o experiente pescador.