Produtor de sementes e cerealista em Entre-Ijuís, no noroeste do Estado, Valdir Lazarotto sentiu duplamente o peso da supersafra: nas lavouras e no recebimento dos grãos. Com os armazéns lotados, o agricultor espalhou dezenas de silos-bolsa na maioria das propriedades onde cultiva mais de 6 mil hectares de soja.
O sufoco deste ano fez o empresário se decidir pelo investimento em uma nova unidade de beneficiamento de sementes que irá aumentar em pelo menos 50% a capacidade de recebimento de grãos da empresa – hoje de 30 mil toneladas. O projeto, orçado em R$ 20 milhões, inclui ainda um porto seco às margens da BR-285, em Entre-Ijuís, para aumentar a eficiência logística da produção.
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A intenção é de que a nova unidade opere com pelo menos metade da capacidade já na próxima safra de verão.
– A cada ano, a produtividade vem aumentando, o que reforça a necessidade de ampliarmos nossa capacidade de processamento e de recebimento – explica o produtor.
Nas lavouras colhidas, o produtor alcançou média de quase 70 sacas por hectare – resultado recorde para a empresa.
– Foi uma safra muito uniforme, sem furos de produtividade. O clima foi perfeito – detalha Lazarotto.
Preço baixo reduz negócios
O otimismo com os resultados da lavoura contrasta com a decepção em relação ao preço da soja – fazendo os agricultores comercializarem apenas o estritamente necessário. Produtores em Santo Ângelo, no Noroeste, Vitor Hugo Boff e o sobrinho Rafael Rotta venderam 10% da produção antecipada e agora pretendem negociar o mínimo possível da safra colhida em 330 hectares – com produtividade média de 65 sacas por hectare.
– O principal era colhermos bem, e isso a gente fez. Agora, é esperar a melhora do mercado – diz Rotta, que no próximo ano pretende ampliar a agricultura de precisão para 100% das lavouras de soja.
Negócios travados, por ora
Enquanto colhem a maior safra de soja da história do Rio Grande do Sul, com produtividade nunca antes vista, agricultores lamentam a baixa de preço da commodity no mercado brasileiro. Para quem perdeu a oportunidade de travar contratos futuros, principalmente pelo temor de um possível La Niña que acabou não se confirmando, o arrependimento é inevitável. No plantio do atual ciclo, em setembro do ano passado, a saca paga ao produtor passava de R$ 80 no Estado. Em abril, despencou para menos de R$ 55 – desvalorização superior a 30%.
– Essa baixa agora não surpreende. O que mantinha o preço da soja interessante em reais era apenas o câmbio – explica Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
O economista chama a atenção que a cotação da soja na Bolsa de Chicago variou bem menos do que a taxa de câmbio no Brasil nos últimos 12 meses (veja ao lado). Agora, com a entrada das safras cheias da América do Sul e a perspectiva do plantio de uma área recorde da oleaginosa nos Estados Unidos, a cotação piorou.
– Todo esse cenário converge para que os preços caiam. E a deficiência brasileira para escoar a safra prejudica ainda mais o quadro, reduzindo a rentabilidade do produtor – avalia Luz.
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Esperança de melhora do mercado
Uma das possibilidades para movimentar o mercado seria a reversão da intenção de plantio dos agricultores americanos, a partir de maio, desmotivados pela baixa de preço da soja. O fator poderia fazer o grão voltar a se valorizar.
Apostando em uma possível melhora de cenário, o produtor Marcos Wentz, de Panambi, no Noroeste, pretende segurar a produção colhida em mais de 600 hectares – com produtividade média superior a 70 sacas por hectare. Capitalizado com a venda de 15% da safra de forma antecipada (em contratos acima de R$ 80), o agricultor vai esperar um momento mais favorável para venda.
– Prefiro acreditar que o preço irá melhorar. O Brasil precisa que esse dinheiro gire. E para você movimentar uma economia não é com soja físico, mas com os valores que serão gerados por essa produção – diz Wentz.
Armazéns cheios mesmo na crise
Empresas em dificuldades financeiras, que em situações normais de mercado ficariam com estruturas ociosas mesmo em período de colheita, encontraram oportunidade em meio aos percalços na armazenagem de uma supersafra de grãos. A Cooperativa Tritícola Regional Santo Ângelo (Cotrisa), em processo de liquidação extrajudicial há quase dois anos, calculava ocupar menos da metade da capacidade estática de 120 mil toneladas com produto entregue por associados. No começo de abril, a cooperativa já estava com praticamente 100% de seus espaços em cinco unidades preenchidos.
– Estamos prestando serviços de armazenagem para cooperativas e cerealistas que não tinham mais espaço em seus armazéns – conta Valdir da Silva Lima, um dos gestores liquidantes da Cotrisa.
A demanda extra é mais do que bem-vinda para a cooperativa, que tenta se reerguer diante de uma dívida de aproximadamente R$ 270 milhões.
– Toda ajuda é importante, é um impulso para cooperativa buscar a recuperação – diz Lima.
Para dar segurança aos que estão usando as estruturas da Cotrisa, todo grão depositado fica no nome do produtor ou das empresas recebedoras. A medida é necessária para evitar que eventual execução judicial confisque a safra depositada nos armazéns da cooperativa. Para os associados que entregaram os grãos, a garantia é dada pela condição de armazém geral.
Com seis mil associados, a Cotrisa faturou R$ 50 milhões em 2016 e espera fechar 2017 com resultado melhor – justamente por conta da supersafra.