A preocupação do consumidor urbano com uma alimentação saudável e o apetite pela experiência de ter o contato com a terra faz prosperar um novo tipo de empreendimento em pequenas propriedades rurais do Rio Grande do Sul. Embora não existam números consolidados que mostrem a tendência, em vários pontos do Estado agricultores começaram a apostar na modalidade do colha e pague. Em regra produzidos de forma orgânica, verduras, legumes, temperos e frutas são coletados na horta ou apanhados no pé pelos próprios clientes, que assim unem a possibilidade de degustar e levar para casa alimentos de qualidade superior ao prazer de um passeio muitas vezes em família.
A extensionista da Emater Fernanda Costa da Silva, que tem trabalho voltado ao turismo rural, observa que, em muitos casos, estes empreendimentos estão vinculados a roteiros no interior dos municípios e atraem uma população urbana que parece cada vez mais curiosa por conhecer um pouco da vida na colônia e, ao mesmo tempo, procurar alimentos saudáveis. O crescimento deste tipo de proposta, observa Fernanda, vai ao encontro da busca por uma transição na forma de produção das propriedades, sem agrotóxicos. Além de consumidores ávidos por conhecer ou reviver a sensação de meter a mão na terra e colher o próprio alimento, estes empreendimentos têm atraído uma espécie de turismo pedagógico, tanto de escolas como de cursos superiores ligados a ciências agrárias. Para quem escolhe trilhar este caminho, há ainda a vantagem financeira.
– Como não há intermediários, pode ser praticado um preço diferenciado, bom também para o consumidor – observa Fernanda.
Modalidade faz consumidor dar maior valor ao alimento
O gerente regional do Sebrae em Erechim, Ronaldo Dario Kloeckner, acompanha um projeto do gênero em Aratiba, no norte do Estado. O empreendimento conta com o auxílio do programa Juntos para Competir, que tem ainda a parceria do Senar e da Farsul. Recebe assistência técnica, apoio na gestão e ajuda na estratégia comercial. Dedicada principalmente à produção de uvas e morangos, a pequena propriedade encontrou no modelo colha e pague uma forma de elevar a percepção de valor de seus produtos, entende Dario. E poupa o que seria gasto com o pagamento de outras pessoas na tarefa de colher as frutas, um custo diário de R$ 80 a R$ 120 na região, estima o especialista.
– Os consumidores estão procurando alimentos mais saudáveis, e desta forma eles conseguem perceber a procedência do produto, em uma propriedade bem cuidada, que causa uma boa impressão nos clientes. No supermercado, os produtos acabam ficando iguais. É diferente de colher uma fruta no pé e comer – diz Kloeckner, acrescentando ainda que, conforme os relatos, a experiência de colher acaba empolgando os clientes, que no fim compram uma quantidade bem maior do produtos do que normalmente seria adquirido no varejo.
O agrônomo Lauderson Holz, da organização não-governamental (ONG) Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa), de Santa Cruz do Sul, avalia que empreendimentos com a proposta colha e pague têm um grande potencial de crescimento, principalmente os próximos a cidades maiores.
– As pessoas do meio urbano querem retomar o contato com o ambiente rural, com a terra. E estão dispostas até a pagar um pouco mais se puderem colher na horta, no pomar, revivendo o vínculo com o ambiente rural – entende Holz.
O agrônomo lembra que, além de clientes, propriedades do gênero também recebem muitas visitas de agricultores para conhecerem a experiência. É um prenúncio, avalia, de que mais propriedades com essa proposta surgirão nos próximos anos no Estado.
Roteiro aproxima agricultor e consumidor
Em Dois irmãos, no Vale do Sinos, o colha e pague Altes Haus surgiu há 16 anos como parte de um roteiro turístico na região e se firmou como opção para os consumidores que buscam hortigranjeiros frescos e a experiência de lidar nas hortas que ocupam dois hectares dos 17 da propriedade. Alface, couve-flor, brócolis, beterraba, pimentão, batata-doce e milho são apenas alguns dos produtos que podem ser colhidos pelos clientes.
– As pessoas que vêm são de 25 a 40 anos, de Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo, preocupadas com a qualidade – conta Alcindo Berlitz, 49 anos, da família proprietária.
O analista de sistemas Cláudio André Heckler, 42 anos, mora em Novo Hamburgo e também tem um sítio em Dois Irmãos, para onde vai com a família aos fins de semana. Pela conveniência, aproveita para passar no Altes Haus e fazer a feira da semana. No último sábado, estava acompanhado dos filhos Rafael, 10 anos, Gabriela, seis anos.
O coordenador de logística José Luis Eltz, de Novo Hamburgo, conta que costuma ir a cada 15 dias no Altes Haus em busca de alimentos de qualidade. Para ele, além de levar produtos frescos para casa, também vale a experiência para a filha, Mariana, 13 anos.
– É sempre bom ter essa oportunidade de conhecer, ver como se planta, como se cultiva. No supermercado a gente apenas vai na prateleira e coloca no carrinho. Lá podemos conhecer como tudo é feito. Lembra os nossos avós, de muita coisa que vivi na infância. E eles (os proprietários) também são muito acolhedores, simpáticos para atender as pessoas – diz Eltz.
Uma cliente que virou parceira
Carolina (direita) apanha e ajuda na capina e na distribuição dos hortigranjeiros de Marcia
A fotógrafa e instrutora de ioga Carolina Alberton Leipnitz, 34 anos, é cliente fiel e voluntária na Agroecologia Ferrari, de Arroio do Meio, no Vale do Taquari. Moradora de Lajeado, Carolina conheceu os donos há cerca de dois anos. Apesar de viver em apartamento, o gosto pelo cultivo ecológico os aproximou e ela acabou até se dispondo a ajudar na propriedade, limpando canteiros e capinando. O hábito chegou ao conhecimento de amigos por meio de redes sociais e muitos acabaram perguntando para Carolina se ela poderia trazer alguns hortigranjeiros. No fim, criou um grupo de WhatsApp integrado por vários conhecidos, que fazem uma espécie de lista de feira cada vez que ela avisa de uma visita na Agroecologia Ferrari.
– Uma vez por semana colho e levo para as pessoas ainda com terra para que possam sentir o cheiro, tocar nas folhas. Isso é parte do que perdemos no dia a dia porque compramos no supermercado tudo em bandejas, higienizado. É uma forma de nos reconectarmos com o alimento – explica Carolina.
A agricultora Marcia Inês Sbruzzi Ferrari, 47 anos, uma das proprietárias, conta que a clientela tem um perfil com bom nível de renda. São pessoas que buscam alimentação saudável, contato com a natureza, sensações do contato com a terra, colhendo toda a diversidade de produtos da época - vagem, alface, rúcula, rabanete, pimentão, berinjela, moranga, couve, pepino, mandioca, batata-doce e temperos.
– São pessoas esclarecidas, conscientes, que querem, consumindo um alimento de qualidade, cuidar da saúde agora para não gastarem mais depois – conta Marcia.
A propriedade, que tem produção orgânica certificada, também costuma receber excursões pedagógicas de escolas e de estudantes universitários de faculdades ligadas a ciências agrárias e outros agricultores em busca de conhecer as experiências de preparo do solo e controle biológico. Apenas ano passado, 2.135 pessoas assinaram o livro de registro de visitas.
Agricultura ganha espaço em centros urbanos no Rio Grande do Sul
Bairro Floresta ganha horta e composteira comunitárias
Experiência cativa visitantes
Donos de uma propriedade em Passo do Sobrado, no Vale do Rio Pardo, José Eloir Azeredo, 48 anos, e Silvia Regina Baierle da Silva, 52, aderiram em setembro do ano passado à modalidade do colha e pague. O casal, que há oito anos deixou a cidade para viver na zona rural, já plantava e vendia morangos, mas a ideia de incentivar a ida dos clientes ao empreendimento para recolherem com as próprias mãos a fruta é recente. Uma das intenções era não precisar sair tanto de casa para comercializar.
– A gurizada da cidade não tem ideia de como é chegar, colher e poder comer. Isso porque a gente não utiliza agrotóxicos – conta Silvia, acrescentando ainda que, na propriedade de 14 hectares, que já teve lavoura de fumo, são produzidas verduras, bananas e laranjas, mas o carro-chefe é o morango.
Hoje, a Casa do Morango tem 14,5 mil pés plantados. Silvia conta que os clientes vêm de locais distantes, como Porto Alegre e Caxias do Sul. Mas a maior parte é de municípios próximos, como Santa Cruz e Venâncio Aires.
– Muitos dizem que querem comprar um quilo de morango. Então a gente dá uma cestinha que cabe o quilo. Mas acabam colhendo cinco, seis quilos – conta a agricultora.
Cerca de 20% da produção é apanhado pelos consumidores, que costumam aparecer nos finais de semana e feriados. O restante é levado pelo casal diretamente aos clientes em cidades próximas.
No Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, a família Brandelli recebe mais de uma centena de visitantes por fim de semana na época de vindima. O público se delicia com as duas variedades de uvas de mesa cultivadas na propriedade.
– As pessoas passeiam pelo parreiral, tiram fotos, escolhem os cachos e depois passam na balança. Acham o máximo, porque muitos nunca fizeram isso de escolher e colher o cacho – conta Rosa Brandelli, 66 anos.