Prejudicada do começo ao fim por problemas climáticas, a safra gaúcha de trigo acumula perdas de volume e qualidade na medida em que a colheita se aproxima do fim no Rio Grande do Sul. O excesso de umidade nos últimos meses agravou a ação de fungos e bactérias nas plantas, resultando na quebra de ao menos 40% da produção, conforme a Emater. Com metade da área colhida, os cálculos mais otimistas apontam R$ 850 milhões a menos no faturamento das lavouras - sem considerar os prejuízos com o trigo de menor valor comercial, o chamado triguilho.
O valor é 43% menor em relação à safra recorde de 2013, quando 3,3 milhões de toneladas foram colhidas, o que resultou em R$ 1,96 bilhão em negócios, de acordo com a Federação da Agricultura do Estado (Farsul). Prevendo uma produção de 2,3 milhões de toneladas, 1 milhão a menos do que no ano passado, a Comissão de Trigo da Farsul considera até agora a produtividade média de 33 sacas por hectare.
- Preferimos trabalhar com números cautelosos. Essas são perdas consolidadas, que devem aumentar - projeta Antônio da Luz, economista da Farsul.
O cenário relatado por produtores do Noroeste, os primeiros a colher, é desolador. Estimulado pela safra recorde de 2013, Evandro Ptuciniki, 39 anos, de Ijuí, ampliou a área de trigo de 165 hectares para 190 hectares neste ano. Ptuciniki só não contava com o tempo tão adverso, do plantio à colheita. O resultado: média de 12 sacas por hectare, com trigo tipos 3 e 4, sem qualidade para panificação.
- Em 2013, colhemos 65 sacas por hectare. Precisávamos de 40 sacas só para cobrir os custos. O medo era da geada e do granizo, mas não dessa chuvarada - diz o agricultor, que encaminhou pedido de seguro particular e do Proagro.
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A situação é ainda pior na lavoura de Magnus Racho, de Santa Rosa. Com 30 hectares cultivados, o produtor colheu em média 15 sacas por hectare. Praticamente todo o cereal foi classificado como triguilho, com uso apenas para ração.
- Fiz de tudo para controlar as doenças na lavoura, mas não adiantou - diz Racho.
O desânimo com a safra de trigo é acentuado pelo baixos preços. Na semana passada, a saca de 60 quilos do trigo pão tipo 1 era vendida a R$ 25,27, segundo a Emater. Há um ano, a mesma saca estava R$ 40,38. Para o cereal de menor qualidade, tipos 2, 3 e 4, a cotação é ainda menor. O trigo destinado para a ração animal, por exemplo, é vendido a R$ 16 a saca.
- Outro problema é a restrição da indústria de ração a grãos com alto teor de micotoxinas, resultantes de fungos como a giberela, que atacou fortemente a cultura em razão do excesso de umidade - explica Luiz Ataídes Jacobsen, assistente técnico da Emater-RS.
Baixa qualidade dificulta a venda
Boa parte do trigo colhido no Estado tem chegado às cooperativas ou indústrias gaúchas sem qualidade necessária para moagem. Para ser classificado como tipo 1, o cereal precisa atingir peso hectolitro (PH) de 78. O produto colhido com PH inferior a 72, por exemplo, serve apenas para ração.
- Muitas cooperativas estão recebendo o trigo, fazendo a segregação e armazenando para depois ver o que fazer - afirma Tarcísio Minetto, superintendente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro-RS).
Com mais de 95% da colheita concluída, do total de 60 mil hectares semeados, a região de Santa Rosa foi uma das mais afetadas pelo excesso de umidade. Somente em setembro, foram mais de 500 milímetros de chuva. A média histórica para o mês é de 150 milímetros. Entre os associados da Cooperativa Tritícola Santa Rosa (Cotrirosa), o rendimento da colheita variou de 15 a 25 sacas por hectare, com PH entre 74 e 75. A média colhida em 2013 foi de 50 sacas por hectare, grande parte com PH 78.
- Está bem difícil de encontrar mercado para esse trigo de menor qualidade - lamenta Jairton Dezordi, agrônomo da cooperativa do noroeste do Estado.
Nas regiões do Alto Jacuí e do Planalto Médio, onde a colheita do cereal ganha força nesta semana, com o tempo seco. A expectativa é de qualidade superior dos grãos colhidos. Plantado mais tarde, o cereal escapou de boa parte das precipitações.
- Claro que teremos perdas, mas talvez não sejam tão desastrosas como estávamos temendo - disse Gelson Melo de Lima, superintendente de produção agropecuária da cooperativa.
Dos grãos recebidos até agora, boa parte foi classificada como tipo 2, que pode ser aproveitado por moinhos, não para panificação, mas para outros produtos, como massas e bolachas.
- Vamos tentar fazer desse limão uma limonada e encontrar mercado para esse produto - completa Lima.
Quebra levará a mais importações
Principais consumidores de trigo, os moinhos do Rio Grande do Sul terão de aumentar as compras fora do Brasil para abastecer as indústrias de panificação e confeitarias do Estado. Com mais importações, o resultado inevitavelmente será aumento de preço para o consumidor.
- Os moinhos terão de trazer trigo de fora, especialmente da Argentina e dos Estados Unidos, certamente por um preço superior - adianta José Antoniazzi, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Rio Grande do Sul (Sinditrigo-RS).
Quantificar esse aumento, no momento, seria prematuro, diz o dirigente sindical. No ano passado, os moinhos processaram cerca de 1,3 milhão de toneladas de trigo do Rio Grande do Sul, e 300 mil toneladas de cereal importado. Com a quebra da safra neste ano, Antoniazzi calcula que será necessário trazer ao menos 600 mil toneladas de outros países.
- Isso irá encarecer a farinha para o consumidor e, consequentemente, os produtos fabricados a partir dessa matéria-prima.
Calcula-se que haja 300 mil toneladas de trigo da safra anterior ainda estocadas no Estado, o que tende a ajudar o setor. Principal produtor nacional do cereal, o Paraná também registrou perdas, mas em torno de 5% - escala bem inferior a registrada pelos agricultores gaúchos. Estimada inicialmente em 7,7 milhões de toneladas pela Conab, a safra nacional de trigo não deve passar de 6 milhões de toneladas neste ano.