Nem tradição, nem o bom preço pago pela saca no momento estão sendo capazes de manter o feijão atrativo para os produtores do Rio Grande do Sul. O grão, que já teve área superior a 230 mil hectares na década de 1980, não deve passar de 44,9 mil hectares na atual safra, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), 36% menos que no ciclo anterior e a menor da história.
Em quatro anos, a produção caiu quase 50% (veja gráfico abaixo). Parceiro do arroz na composição do prato mais característico do brasileiro, o feijão deve ficar ainda mais ralo nas lavouras do Estado. O tipo preto é o predominante e o prato do gaúcho. Também é o preferido em Santa Catarina, Rio de Janeiro e áreas da Região Sudeste.
A sensibilidade da cultura ao clima, o mercado consumidor restrito e a remuneração menos vantajosa quando comparada a outras culturas, especialmente a soja, seguem sendo as principais causas para o declínio. O mercado desorganizado e instável, somado à dificuldade de encontrar mão de obra para a colheita (manual em grande parte das propriedades) tornam o grão sem grandes atrativos mesmo com valores considerados vantajosos por analistas de mercado. Atualmente, a saca de 60 quilos está em torno de R$ 130, acima da média histórica dos meses de fevereiro, de R$ 112.
- O feijão tem instabilidade muito grande de preços. No momento, está bom, mas nem sempre é assim, e isso não motiva a continuar. E como é um produto de baixo valor agregado, nunca se sabe o que vai ganhar depois - diz Dulphe Pinheiro Machado Neto, gerente técnico estadual da Emater,
- Pelo que temos analisado, essa redução da área deve continuar. Também é difícil dizer que a produtividade irá aumentar muito - avalia Rodrigo Neves, analista de feijão da Safras & Mercado.
Tendência é de retomada apenas temporária da cultura no RS
Por não ser uma commodity negociada internacionalmente, a cultura não desperta interesse da iniciativa privada, o que empurra para o poder público a responsabilidade por desenvolver novas cultivares. Com pouco investimento, o crescimento da produtividade ocorre em ritmo menor que a queda de área: nas últimas quatro safras, o percentual não chegou a 5%. Passou de 1.341 quilos em 2010/2011 para 1.401 quilos por hectare na atual safra. E como a demanda de soja não para de crescer no mercado internacional, a perspectiva é de avanço ainda maior do grão dourado sobre as lavouras de feijão, assim como tem ocorrido com outras culturas.
- Não dá para comparar com milho e soja. Com o feijão, a empresa privada prefere investir na sua própria marca para vendas do que aplicar recursos em pesquisa - diz a analista Sandra Hetzel, da consultoria Unifeijão.
Por ser uma produção de ciclo rápido, a tendência para os próximos anos é de que a lavoura só avance levemente em momentos de bons preços, como agora. Como as quase 63 mil toneladas de feijão estimadas para produção nesta safra no Estado não suprem a necessidade do consumo interno, a importação da Argentina e China deve ser mais constante.
Cultura encolhe diante do ganho atrativo da soja
De antiga área campeã na produção de feijão, a região de Sobradinho, no Vale do Rio Pardo, hoje guarda pouco do grão que a tornou conhecida. Os 8 mil hectares que restavam no ciclo 2009/2010 nos 11 municípios que formam a zona produtora, transformaram-se em pouco mais de 1,6 mil na safra 2012/2013. No ciclo atual, o preço levou a pequena recuperação, para cerca de 3 mil hectares.
A dificuldade em encontrar mão de obra para a colheita e a demanda crescente e constante por soja levaram Samuel Speth, 32 anos, a diminuir a área de feijão em Arroio do Tigre. Acostumado desde criança com a produção do grão na propriedade de 25 hectares, que administra em parceria com o pai, há seis anos contava 14 hectares com a cultura, somando a primeira e a segunda safra.
Desde então, a instabilidade no mercado fez diminuir gradativamente a aposta. Neste ano, apenas três hectares foram ocupados com o feijão preto. O "abandono" do feijão por Speth não veio sem algumas tentativas para manter o grão na lavoura. Para o problema da mão de obra, tentou mecanizar a colheita, mas o resultado acabou não compensando.
- Não é tão eficiente. Acaba se perdendo muito da produção, e o custo não vale a pena - comenta o produtor.
A partir dessa conclusão, o direcionamento para a soja foi o caminho natural. A garantia de compra do produto ao final da colheita e a remuneração em alta fizeram a cultura da oleaginosa avançar por 39 hectares, somando espaço próprio e áreas arrendadas no entorno da propriedade.
- Totalmente de lado não vamos deixar o feijão. Plantamos também para consumo próprio, mas se mantiver essa média de preço, a tendência é reduzir ainda mais - avalia Speth.