Na Cabanha São Bibiano, de Uruguaiana,os proprietários optaram pela irrigação com pivôs
Claudio Gottfried, Especial Ocorrência do percevejo da soja cresceu nos últimos anos
Embrapa Soja, divulgação
O ano de 2013 foi marcante para o agronegócio. Passada a safra anterior, devastada pela estiagem, a produção se recuperou e rendeu a segunda maior colheita da história gaúcha - e recorde na soja. Para 2014, a projeção é que o agronegócio seja novamente o carro-chefe da economia estadual, com estimativa de recorde ainda no horizonte, apesar da pouca chuva que compromete o desempenho do milho. Na primeira edição do ano, o Campo e Lavoura selecionou três sugestões enviadas pelos leitores. Contemplamos a preocupação com as pragas nas lavouras, além da temida Helicoverpa armigera, mostramos como a irrigação nas pastagens é alternativa para ampliar os ganhos na pecuária e ainda o processo para habilitar as agroindústrias no Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf).
1) Sistema que permite venda intermunicipal de produtos de origem animal não decolou
Na teoria, o Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf), implementado no ano passado, impôs a necessidade de cadastro para a venda de produtos de origem animal fora dos limites do município em que foram produzidos. Na prática, a baixa adesão obrigou o governo a flexibilizar as exigências, sob pena de comprometer uma das principais ferramentas de comercialização dos produtores familiares, que é a participação em feiras.
Para seguir usando recurso até então comum, as autorizações especiais concedidas pela Secretaria da Agricultura para venda no período de eventos, os municípios deverão ter, a partir de agora, ao menos encaminhado a solicitação de participação no Susaf. Atualmente, 150 cidades fizeram isso. Do total, segundo a coordenadora da Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), Angela Antunes de Souza, 23 municípios enviaram documentação completa, passo necessário para as auditorias (veja quadro).
Se fossem levadas ao pé da letra as regras do sistema, apenas a agroindústria Herbon, de São José do Sul, estaria habilitada a participar de feiras como a Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque, que ocorre em março. E é pela participação dos agricultores familiares nessas feiras que muitas famílias garantem grande parte da renda, afirma o assessor de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag), Jocimar Rabaioli.
As dificuldades na infraestrutura estadual seriam um dos entraves. Segundo o assessor técnico da área de agricultura da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Ismael Horbach, há carência sobretudo de médicos veterinários. Para todo o Estado, são apenas seis profissionais para fazer auditoria de documentos e do local.
- A promessa é de que, com o concurso para a Secretaria da Agricultura, o problema seja solucionado. Enquanto isso, o processo trava pelo excesso de demanda - comenta Horbach.
Segundo a representante do Dipoa, além da dificuldade em obter a documentação, outro argumento constante das prefeituras é a falta de recursos para investimento no Serviço de Inspeção Municipal (SIM), estrutura essencial para dar início ao processo.
Secretaria e Famurs têm feito parcerias para treinar veterinários. Em 2013, foram cerca de 60 profissionais. Neste ano, devem sair mais duas turmas.
- Se não houver esforço conjunto, haverá dificuldade em fazer o processo andar. A gente não pode ficar fazendo troca-troca de responsabilidades - afirma Angela.
A Herbon Alimentos, única agroindústria familiar de São José do Sul, poderá vender embutidos em todo o Estado. O município foi o primeiro a obter o credencimento do Susaf.
O negócio familiar, aberto em 2011, enfrentava limitações devido à restrição geográfica. Clientes e lojistas precisavam ir até a sede para comprar produtos.
- Todos tiveram de tomar conhecimento de como funcionava o processo. Precisamos colocar no papel coisas que não estavam - diz Aline Gauer, uma das proprietárias da Herbon.
Para conseguir a habilitação, a prefeitura despendeu um ano. As visitas semanais à agroindústria feitas pelo veterinário municipal resultaram, além da mudança em processos, reforma do ambiente, que exigiu investimentos de R$ 50 mil, que os proprietários estimam reverter em breve.
- Não ter mais a barreira do município é a nossa independência - comemora Aline.
Sugestão de Viviane da Silva Brum, de Bom Retiro do Sul
2) Irrigação amplia produtividade na pecuária gaúcha
Ferramenta importante para garantir produtividade na agricultura, a irrigação conquista espaço nos campos da pecuária. As secas constantes no Estado servem como incentivo à adoção do sistema em pastagens.
- Em verões secos, animais perdem peso e têm problemas reprodutivos e digestivos devido à falta de qualidade do pasto - explica Gustavo Trentin, agrometeorologista e pesquisador da Embrapa Pecuária Sul.
Um breve período sem chuva já embute o risco de perda na qualidade das pastagens. Entre dezembro e fevereiro, com a combinação de menor precipitação e maior evaporação da água do solo, uma semana já é suficiente para trazer prejuízos.
- Passamos a produzir pasto de forma mais uniforme com a irrigação - afirma Júlio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da UFRGS.
São os números que compravam a eficiência do sistema. Enquanto a pecuária tradicional produz cerca de 60 quilos de carne por hectare em um ano, com o auxílio da irrigação os números superam os 800 quilos por hectare ao ano. Os dados fazem parte do Projeto de Monitoramento de Sistemas Intensivos de Produção, realizado pela equipe do Nespro em propriedades na Fronteira Oeste.
Além da vantagem econômica da irrigação, maior oferta de crédito, adequação da carga elétrica e licenciamento ambiental facilitado atraíram os pecuaristas para os projetos.
No programa Mais Água, Mais Renda, lançado pelo governo do Estado em 2012, 16% dos cerca de 2 mil projetos apresentados estão relacionados com a irrigação para pastagens. A pecuária ainda tem área menor no programa: são 590 hectares de um total de 48 mil hectares.
Considerada mais adequada a pequenas e médias propriedades, a irrigação subterrânea conquistou criadores da Fronteira Oeste como Flávio Augusto dos Santos, de São Borja. Ele destinou sete hectares para irrigação de pastagem, na propriedade de 80 hectares. Em um ano, percebeu alta de 40% no faturamento:
- O gado começou a engordar mais rápido. Se eu vendia 50 animais por mês, agora são 70.
O retorno dos R$ 45 mil ainda não foi compensado, mas a expectativa é que isso ocorra neste ano. A intenção é dobrar a área irrigada até julho.
Na tradicional Cabanha São Bibiano, de Uruguaiana, há dois anos, os proprietários optaram pela irrigação com pivôs. Noventa dos 3,5 mil hectares são usados para cultivo de azevém e trevo branco no inverno e campo nativo irrigado no verão.
- Produzimos 700 quilos de carne por hectare - diz Antonio Martins Bastos Neto, responsável técnico.
É quase três vezes maior do que no período anterior. Neste ano, a meta é mais de mil quilos de carne por hectare. Na pecuária de leite, a irrigação também dá resultados. João Kurtz Amantino, de Passo Fundo, apostou no recurso em 2010. Dos 195 hectares da propriedade, 11 hectares com pastagens são irrigadas com o sistema por malha. O investimento de R$ 3,5 mil por hectare não assustou o pecuarista, que viu a produtividade crescer:
- Ao estabilizar a alimentação você já tem um ganho entre 20% e 30%.
Sugestão de Laila Metzdorf Schock, de Ijuí
3) Perigos à produção vão além da Helicoverpa armigera
A presença da Helicoverpa armigera nas lavouras do Estado não deve perder o status de principal preocupação dos produtores nesta safra. Mas a atenção à praga que provocou prejuízos bilionários em lavouras brasileiras não deve desviar o foco de outras ameaças à produção, como o percevejo da soja e os ácaros.
As particularidades gaúchas, com áreas plantadas de menor extensão contínua e clima mais ameno, inibem o aparecimento do percevejo. Nos últimos anos, porém, a ocorrência da praga cresceu. Segundo o pesquisador da Embrapa Soja Samuel Roggia, não existe uma razão única para explicar o aumento da população, mas entre as hipóteses consideradas está a resistência aos inseticidas, por conta do uso equivocado de alguns produtos, e a própria expansão no cultivo.
A atenção maior ao percevejo da soja deve ser no período de florescimento da planta, quando há a formação da vagem e o enchimento do grão - etapa que no Estado ocorre, em média, a partir da segunda quinzena deste mês. Em uma lavoura sem controle, a praga pode ocasionar perdas entre 10% e 20% na produtividade, estima Roggia.
Além do percevejo, as secas frequentes no Rio Grande do Sul favoreceram a maior ocorrência de ácaros nos últimos anos. Organismos muito pequenos se alimentam das folhas das plantas, especialmente da soja e do feijão.
- O ácaro ocorre mais por um manejo inadequado de outras pragas - comenta o engenheiro agrônomo da Emater Alencar Rugeri.
Nos dois casos, o controle deve ser feito com uso adequado de inseticidas, mas da mesma forma como está sendo alertado para a Helicoverpa armigera, a proliferação pode ser evitada com cuidados na utilização.
O especialista da Embrapa sugere ao produtor uma variação no inseticida usado na lavoura de uma safra para outra, orientação que não costuma ser seguida no campo.
- Existe um número reduzido de inseticidas para controle do percevejo. Havia até pouco tempo produtos que matavam uma grande quantidade de insetos e que foram proibidos. Restaram poucas opções - comenta Roggia.
No longo prazo, a recomendação para reduzir os problemas no campo passa pela adoção do manejo integrado de pragas. Nessa estratégia, o objetivo é manter a população das pragas em níveis baixos, para permitir que seus inimigos naturais permaneçam em ação. Hoje, o uso excessivo de defensivos retira o equilíbrio do ambiente, muitas vezes aniquilando diversas espécies, alerta Rugeri.
- Até a década de 1980, havia necessidade do manejo, pois não existiam tantos produtos. Depois, com os transgênicos e os herbicidas, ficou muito mais fácil. O produtor precisa procurar conhecimento técnico.
Sugestão de Lucimar Tomazini, de Getúlio Vargas