A força às vezes lhe falta no braço. Mas o velho produtor rural ainda se sustenta na coragem de abraçar o trabalho. Manoel Azambuja, 87 anos, desliga o trator com simpatia para atender a reportagem de Zero Hora.
- Moça, não sei se posso te ajudar. Não sei muita coisa, só sei do meu serviço aqui - afirma seu Manoel, cheio de simplicidade.
Produtor reconhecido e premiado com a raça jersey, ele põe na conta da intuição e da troca de conhecimento com outros o sucesso da propriedade no interior de Bagé. Sem formação específica, diz que aprendeu o que precisava com o tempo.
Depois da conversa, liga o trator e volta a remexer a terra. Com uma disposição pouco comum para um quase nonagenário, seu Manoel é um homem do campo, daqueles do tempo antigo, como ele mesmo gosta de dizer. Acorda às 6h, toma café com leite e vai para o campo. Trabalha até as 22h.
Já não pega pesado como há alguns anos, mas nunca deixa de supervisionar o trato com os animais, o pasto, as cercas, os nascimentos e as demais rotinas da propriedade.
A tal intuição, a quem seu Manoel dá tanto crédito, foi a responsável pela participação na Expofeira de Bagé em 1961. No evento dominado pelas raças de corte, apresentou vacas jersey e ovelhas ideal.
- Fui um teimoso - dispara.
Foi assim também que, num ímpeto, decidiu participar dos começos da Expointer, quando a feira ainda era realizada no bairro Menino Deus, em Porto Alegre.
- Eu sentia que era importante estar nessas feiras, mesmo que não vendesse nenhuma vaca. A troca de conhecimento era muito grande e a gente aprendia muito.
Foi assim que a minha propriedade cresceu. E como cresceu. Seu Manoel importou uma das primeiras ordenhadeiras do Estado, que veio da antiga Checoslováquia, e teve um tambo com capacidade para produzir e comercializar leite, queijo, manteiga e nata na região de Bagé. Hoje, com a idade e a divisão da propriedade com os filhos, dedica-se apenas à reprodução.
Somente uma vaca é ordenhada, para garantir o café da manhã. Mesmo assim, os animais que seu Manoel leva às exposições ficam quase sempre entre os primeiros colocados. Para a Expofeira deste ano, vai levar 10 exemplares. Nascido em Pinheiro Machado, Manoel Azambuja viveu no campo até os oito anos, quando perdeu o pai. Emocionado, lembra da infância pobre e difícil.
Aos 15, já morando no centro de Bagé, foi trabalhar no comércio. Em 1950, casou-se com uma prima que tinha um pequeno lote de terra no interior da cidade, juntou as economias e comprou mais um pedaço de campo. Começou criando gado holandês, normando e jersey.
Em cerca de um mês, os animais das outras raças morreram e ele apostou no jersey. Hoje, o ancião que batiza suas vacas com nomes de amigos ou familiares conta com orgulho que ajudou a construir a história da raça jersey na região da Campanha, expondo seus animais em eventos como a Expofeira e a Expointer. E avisa:
- Vou participar enquanto puder. Ainda vou longe.
Tecnologia ajuda a moldar o futuro do campo
Foto: Cristiano Lameira, especial
Gustavo Camponogara alia a inovação à tradição na sua propriedade
Ele cresceu circulando entre o campo e a cidade, mas nunca teve dúvida de que a escolha de sua vida estaria no meio rural. Desde pequeno apaixonado por animais, Gustavo Camponogara teve tempo e espaço de sobra para atiçar a vocação nos campos de plantio de arroz e soja.
Depois de se formar veterinário pela Universidade Federal de Santa Maria, iniciou uma pequena revolução nas terras da família: introduziu a pecuária de corte há 10 anos e está, aos poucos, diversificando o perfil produtivo da estância.
Criador de braford e presidente do Núcleo Regional de Hereford e Braford, Camponogara começou o registro dos animais da propriedade em 2005 e, no ano seguinte, já levou exemplares para a Expofeira de Bagé.
- A nossa feira é a melhor vitrine para as raças. Já se passou um século desde a invenção desse evento, mas ainda cumpre o propósito de divulgar os padrões e incentivar a melhoria dos rebanhos - explica.
Aos 33 anos, Camponogara é homem do seu tempo. Mora no centro de Bagé e vai todos os dias à propriedade. Não hesita em usar as tecnologias disponíveis para o aprimoramento de seu rebanho.
- Para que a pecuária possa competir com a agricultura na demanda por terra, precisamos de resultados. E isso só com planejamento e tecnologia - alerta.
Controle total sobre as etapas da produção é o segredo, segundo Camponogara, para uma propriedade lucrativa. Por isso, conceitos como cultivo de pastagem, suplementação alimentar, inseminação, transferência de embriões e fecundação in vitro fazem parte do dia a dia da estância que ele administra ao lado do pai e do tio.
Desde que decidiu criar gado, soube que disputaria espaço com as lavouras. Por isso, não deixou margem para experimentação e apostou nas tecnologias para potencializar os resultados.
Para 2013, pretende contar com a ultrassonografia da carcaça para determinar a espessura de gordura com o animal ainda vivo - recurso que deve incrementar a produtividade e as oportunidades para comercialização. Apesar de toda essa pegada high-tech, tem coisas antigas na estância de que Gustavo não abre mão.
O peão a cavalo para a lida com o gado, por exemplo, nunca ficará obsoleto. A participação em feiras também é uma tradição mantida por ele e pela Associação Brasileira de Hereford e Braford.
Além de fortalecer a raça, a exposição e comércio dos animais proporcionam o melhoramento genético nas propriedades. Neste ano, 90 reprodutores das duas raças devem ser expostos no evento de Bagé. A localização da propriedade permite que Gustavo viva dois mundos.
Pode estar de manhã na estância e acompanhar a mulher na ultrassonografia à tarde. O exame, aliás, revelou que uma menina se juntará aos Camponogara em novembro. O filho mais velho, de três anos, já mostra que compartilha a paixão do pai.
O pequeno tem vacas e uma égua. Da menina ele ainda não pode antever a vocação, quem sabe siga a medicina, profissão da mãe. Ou, quem sabe, como o pai e o irmão, caia de amores pelo campo e traga ainda mais modernidade e tecnologia para os rebanhos de Bagé.