Por Dione O. Moura e Marlise Viegas Brenol
Pesquisadoras da Universidade de Brasília (UnB) e da Rede Biota Cerrado
Quem não se comunica se trumbica, já dizia o clássico jargão do folclórico Chacrinha. Todos nos achamos capazes de comunicar, porém há uma verdade desconfortável: nem tudo o que é falado é comunicado. Se uma pessoa ouve que precisa sair de casa por causa de um possível alagamento e não conhece o risco que corre, dificilmente vai atender o alerta. É aquela máxima da incompreensão: entra por um ouvido e sai pelo outro. A pessoa atenderá quando a água estiver batendo à porta ou invadindo o ambiente. Para uma comunicação ser eficiente, é preciso ter repertórios em comum. Só nos conectamos com temas sobre os quais conhecemos e estamos aptos a compreender.
Diante da catástrofe climática no Rio Grande do Sul, uma realidade alarmante emergiu: as pessoas que vivem em áreas de risco não possuem conhecimento mínimo sobre a ameaça que circunda o seu mundo. Para a comunicação funcionar em situações de risco iminente como uma enchente, ela precisa mais do que anteceder o fato, se antecipar. Ou seja, a comunicação de risco não pode ser só emergencial ou temporária. Ela precisa ser uma política permanente para governos, sociedade civil, universidades, centros de pesquisa, escolas de Ensino Fundamental e Médio e para a imprensa. Há uma pedagogia na comunicação estratégica, quanto mais visibilidade e incidência a pauta climática ganhar, mais capazes seremos de introduzir dinâmicas sociais que levem a mudanças individuais e coletivas. Acreditem: a comunicação de risco é a comunicação que salva vidas.
Nas últimas décadas, a pauta de defesa do meio ambiente virou periférica perante a opinião pública, embora seja central enquanto problema social. O tema foi pejorativamente associado a “ecochatos”, “xiitas da ecologia”, como se as e os ambientalistas e cientistas fossem pessoas extremistas na questão. Por outro lado, ganharam visibilidade os “ecocéticos”, os negacionistas que não acreditam na ciência e nem no impacto da ação humana sobre a mudança climática. O negacionismo ambiental é letal e precisa ter fim. Os resultados das pesquisas científicas que demonstram o impacto humano na natureza precisam ser tratados com seriedade. Antes que os céus caiam sobre nós – o que ocorreu no Rio Grande do Sul, em forma de água, e em outros Estados em forma de seca prolongada.
Portanto, precisamos todos, cidadãs, cidadãos, a sociedade civil organizada (ONGs, coletivos, grupos culturais, partidos políticos, agremiações), assim como o Estado brasileiro (municipal, estadual, federal), colocarmos a mão na massa em um plano de emergência climática, com estratégias para desacelerar a degradação ambiental e mitigar os danos socioclimáticos. Contudo, para isso, é preciso mudar a cultura, a começar pela consciência de que esta não é uma questão chata: é uma questão de sobrevivência da espécie humana.
Para não nos “trumbicarmos” no próximo evento climático extremo, um plano de emergência ambiental brasileiro precisa colocar a comunicação de risco como prioridade. Ao dar visibilidade aos riscos climáticos, potencializamos diálogos bem-informados, envolvimento de atores, implementação de ações de conscientização e outros movimentos na direção de moldar uma cultura de prevenção ao risco climático. Quem conhece, cuida e quem cuida, é capaz de amar.
Precisamos, assim, refundar uma ética ambiental pela comunicação e construir um vocabulário em comum de “ambientalês” para iniciantes, iniciados e especialistas dialogarem e estarmos familiarizados com termos como cidades-esponja, parques alagáveis, ciclo hidrológico, eventos climáticos extremos. Tem um glossário inteiro para ser estudado e assim podermos prevenir e agir em conjunto, de olho nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Não duvide, cada ação cotidiana, seja o lixo que você recicla, seja o botão da tecla da urna eleitoral faz a diferença. Pense. Reflita. Aja consciente. A comunicação que salva vidas é urgente.
É comunicar ou trumbicar.