Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, docente na Furg
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal aprovou, há poucos dias, um projeto perigoso, que não deveria seguir em frente, pois visa reduzir a proteção ambiental em áreas não florestais, como campos nativos de Mata Atlântica, Pampa, Pantanal, Cerrado e Caatinga. Um “puxão na cola” das negociações e avanços que desejamos ver no agronegócio brasileiro, que, a despeito do histórico, quanto aos modelos tradicionais de produção, vem se modernizando e se colocando como o setor da economia que mais incorpora práticas sustentáveis.
O agronegócio já é o nosso maior aliado na trajetória da descarbonização, na verdade o primeiro a nos abrir oportunidades para reduzir e neutralizar carbono na cadeia de produção, seja adotando novas tecnologias e formas de fazer, seja ampliando o esforço para manter mais áreas naturais preservadas. Portanto, com toda a certeza, não será mudando a lei ou flexibilizando parâmetro de proteção que vamos nos tornar a maior economia verde do planeta.
De autoria da bancada ruralista, o projeto está sob regime terminativo e não precisa passar pelo plenário. Irá direto para o Senado. A medida prevê que qualquer área aberta, não florestal, pode ser livremente explorada, independentemente da presença de vegetação nativa, contanto que tenha sido utilizada até julho de 2008 (uma espécie de marco temporal, alusivo aos limites do Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651/2012). E vai além: também vale para áreas de preservação permanente e reserva legal, o que deixa o ruim ainda pior, pois esse tipo de ambiente tem sua proteção garantida na legislação, com importância singular na manutenção das paisagens e fluxos ecossistêmicos.
De outra parte, como professor de Fundamentos do Processo Ecológico, de uma universidade pública, com formação em Ecologia e Pós-Graduação em Agronomia, devo dizer que fico impressionado com tamanha falta de conhecimento e sensibilidade dos parlamentares que propõem algo assim e votam a favor disso, acreditando que seja uma estratégia positiva. Não é! Pelo contrário, isso é um tiro no pé e depõe contra a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.
O autor do PL, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), e seu relator, Lucas Redecker (PSDB-RS), afirmam que a medida visa regularizar imóveis rurais localizados nos campos de altitudes da Mata Atlântica. Tem como objetivo livrar os proprietários de multas e embargos previstos na legislação ambiental, e, para tanto, dizem, é preciso flexibilizar a legislação, mantendo a proteção desses campos, mas sem que atrapalhe o produtor rural de desenvolver suas atividades, protegendo-os de eventuais multas, embargos, processos e aborrecimentos de toda ordem, como mais ou menos está na justificativa do projeto. E, na comissão, a proposta se estendeu para todo o território nacional, ou seja, todo tipo de área aberta não florestal passou a ser considerada “área rural consolidada”, como se o país inteiro, um dia, tivesse sido floresta. Um grande jabuti.
Está bem claro no texto: “Nos imóveis rurais com formações de vegetação nativa predominantemente não florestais, tais como os campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos (...) é considerada ocupação antrópica atividade agrossilvipastoril preexistentes a 22 de julho de 2008, ainda que não tenha implicado a conversão da vegetação nativa, caracterizando-se tais locais, para todos os efeitos dessa lei, como área rural consolidada”. Um estrago em potencial sem precedentes, que só na ideia já é suficientemente ruim para a imagem do produtor brasileiro, que não quer se ver envolvido em propostas que visam a aumentar o poder de destruição da paisagem, mesmo as que não são cobertas por florestas.
Por outro lado, se somarmos o espaço natural das propriedades rurais brasileiras, vamos concluir que a maior extensão de natureza está associada ao espaço de produção. Portanto, é do interesse do produtor manter sua propriedade produtiva e preservada, até além dos limites da preservação permanente e da reserva legal. Um patrimônio formado por florestas e áreas abertas não florestais, que são igualmente ricos em biodiversidade e que não podem ser suprimidos como se não importassem.
Ademais, é perfeitamente possível conciliar agricultura com conservação. Também não cabe a defesa de que isso servirá para beneficiar a nossa agricultura, rendendo mais recursos aos entes federados. Não vai render!
O momento brasileiro é outro, de mais consciência, compromissos e visão estratégica de mercado. É do interesse absoluto do produtor rural e do agronegócio brasileiro produzir com sustentabilidade e atenção total aos objetivos do desenvolvimento sustentável, fazendo máximo uso das ferramentas de responsabilidade socioambiental da agenda ESG (Environmental, Social and Governace). Então, não se trata de flexibilizar as leis para ocupar mais parcelas do espaço com lavouras e pastagens e sim do quanto esforço estamos investindo para preservar ao máximo, fazendo o melhor nas áreas que já ocupamos.