Conteúdos nas redes sociais desinformam ao afirmar que as mudanças climáticas não são um problema e que a ação humana não é responsável por elas. São postagens que vão contra o consenso científico, como mostrou estudo de 2023 realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU).
Como toda desinformação, essas também são perigosas, e, por isso, a seção Comprova Explica esclarece alguns pontos envolvendo o assunto.
Conteúdo analisado
Posts nas redes sociais negam as mudanças climáticas e a responsabilidade do ser humano sobre elas, afirmando, por exemplo, que o clima já mudou antes e que o aquecimento global não é ruim.
Comprova Explica
A crise climática que estamos vivendo não é uma ideia que os cientistas inventaram para receber mais financiamentos para suas pesquisas. Nem está sendo causada sem a participação humana. Diferentemente do que afirmam posts nas redes sociais, ela é real e é consenso entre cientistas que a responsabilidade pela crise é do ser humano.
Há quem afirme que o aquecimento global não é ruim, que o clima já mudou antes e que as soluções apresentadas não funcionam, afirmações perigosas diante de um cenário cada vez mais problemático, segundo especialistas. Em Milão, na Itália, um grupo investigado por espalhar teorias conspiratórias sobre a vacina contra a covid-19 assinou um cartaz onde se lê: “Quem fala de aquecimento global é o mesmo que quer vacinação obrigatória”. É a mistura de duas teorias mentirosas, mostrando que a crise climática passou a ser alvo de negacionistas da pandemia.
O ano passado, inclusive, foi o mais quente em ao menos 174 anos, desde que se iniciaram as medições meteorológicas, segundo a Organização Meteorológica Mundial, agência da Organização das Nações Unidas (ONU).
Como afirmou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “modelos climáticos cada vez mais sofisticados, que têm sido desenvolvidos para investigar o funcionamento do clima, confirmam inequivocamente o impacto das emissões de dióxido de carbono (pelo homem) nas mudanças climáticas em curso”.
É o mesmo que afirma o resumo para formuladores de políticas públicas, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global", diz o estudo.
Aumento da temperatura na Terra, secas intensas, incêndios severos e aumento do nível do mar são algumas das alterações que essas ações estão causando, de acordo com especialistas, e que vêm sendo citadas em conteúdos de desinformação não só nas ruas, mas, principalmente, nas redes sociais. Para combater esse fenômeno, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o que é consenso em relação à crise climática.
Como verificamos
O primeiro passo foi pesquisar na internet publicações relacionadas às mudanças climáticas. Reportagens e relatórios de órgãos meteorológicos, citados abaixo, foram consultados para a elaboração deste texto.
A equipe também entrevistou o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, e a bióloga Mariana Vale, doutora em Ecologia pela Universidade de Duke, dos Estados Unidos, e uma das autoras do mais recente relatório do IPCC, da ONU.
O que são mudanças climáticas?
De acordo com esta publicação da ONU, as mudanças climáticas são “transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima”. Elas podem ser naturais – influenciadas pela variação no ciclo solar, por exemplo. Ou podem ser provocadas por uma desregulação do efeito estufa, que gera um aumento da temperatura do planeta, causando assim as mudanças climáticas.
O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) explica que o efeito estufa é um fenômeno natural que faz com que a temperatura na superfície da Terra seja favorável à existência de vida no planeta. Esse efeito permite que parte do calor do sol que entra pela atmosfera fique retido, regulando a temperatura na Terra. Sem ele, a média da temperatura na superfície seria de -18ºC, e não de 15ºC, como temos hoje.
As mudanças climáticas partem da desregulação do efeito estufa, provocada pelo excesso de emissão de gases por conta da carbonização da economia desde a revolução industrial. Esses gases dificultam ainda mais a saída do calor pela atmosfera, aumentando a temperatura média do planeta, o que desperta um efeito em cadeia que intensifica e aumenta a ocorrência de eventos extremos.
“Desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás”, diz a ONU, que chama a atenção para o fato de que as mudanças climáticas não significam apenas aumento na temperatura, mas alterações em outras áreas, como secas intensas, escassez de água, incêndios severos, aumento do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade.
Consenso científico
De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra consenso significa “concordância ou unanimidade de opiniões, raciocínios, crenças, sentimentos etc. em um grupo de pessoas; decisão, opinião, deliberação comum à maioria ou a todos os membros de uma comunidade”.
Na ciência, não é diferente. Como explica em vídeo o imunologista Helder Nakaya, pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, “o consenso tem a ver com o fato de que há tantas evidências que suportam algum fenômeno que não há dúvida entre os cientistas do que está mais próximo da verdade”.
Na animação, ele dá um exemplo ligado às mudanças climáticas: “Se muitos estudos demonstram o papel do homem no aquecimento global, por exemplo, se torna consenso entre os cientistas dessa área que isso é real”. Como ele pontua, “ter um ou outro cientista que pensa diferente não altera a realidade, mas, obviamente, confunde, sim, quem não é o especialista”. Segundo Nakaya, isso acontece porque, quando ouve alguém que pensa diferentemente da maioria, a pessoa acredita que a comunidade científica está dividida, “quando isso não é o que acontece”.
Ação humana e crise climática
Considerando o exposto acima, de que consenso é o que a maioria dos cientistas concordam, embora não seja unanimidade, é consenso que as mudanças climáticas são causadas pela atividade humana, como mostra o mais recente resumo para formuladores de políticas públicas, do IPCC. “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global “, informa o estudo.
Outro levantamento, realizado em 2021 pela Universidade Cornell, dos Estados Unidos, analisou 90 mil estudos e chegou à mesma conclusão: 99,9% dos cientistas concordam que a crise climática é causada pelo homem.
Como explicou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, existe um consenso na comunidade científica de que a causa principal das mudanças climáticas são as emissões de gases de efeito estufa (GEE) relacionadas às diferentes atividades humanas, principalmente à queima de combustíveis fósseis (hidrocarbonetos e carvão) e desmatamento, mas também à agricultura e à produção de cimento, por exemplo.
— Sempre se soube que o dióxido de carbono (CO2) é um gás estufa muito potente. Desde o século 19 já existiam cientistas que chamavam a atenção que a queima do carvão eventualmente contribuiria para o aumento da temperatura do planeta. As mudanças climáticas são resultado do aumento da temperatura do planeta e existem várias medidas instrumentais que mostram que a temperatura média do planeta já subiu mais de 1ºC desde a era pré-industrial (1850-1900) — afirma.
No último dia 24 de janeiro, pesquisadores do World Weather Attribution (WWA), um consórcio formado por cientistas de diversas partes do mundo, apontaram que foram as mudanças climáticas – e não o El Niño – o responsável pela seca excepcional na Bacia do Rio Amazonas ao longo de 2023. Lá, a seca é impulsionada pelo baixo nível de precipitação associado às altas temperaturas.
Os pesquisadores apontaram que as populações altamente vulneráveis foram muito mais atingidas pelos impactos da seca, o que foi agravado por “práticas históricas de gestão de terras, água e energia, incluindo desmatamento, destruição de vegetação, incêndios, queima de biomassa, agricultura corporativa, pecuária e outros problemas socioclimáticos que diminuíram a capacidade de retenção de água e umidade do terra e, portanto, piorou as condições de seca”.
Consenso na mira da desinformação
Para geólogo José Maria Landim Dominguez, apesar do consenso na quase totalidade da comunidade científica a respeito da responsabilidade humana sobre as mudanças climáticas, ainda há um grupo de negacionistas, ou “semeadores de dúvidas”, que não acreditam nisso, sob o argumento de que o homem não seria capaz de promover tal mudança e que outras alterações já aconteceram no passado.
— Realmente, na história passada da Terra, quando o homem ainda não tinha surgido, tais mudanças ocorreram, mas se desenvolveram ao longo de escalas de tempo muito dilatadas, de alguns milênios. Hoje, as mudanças estão ocorrendo em uma escala de tempo de algumas décadas a um ou dois séculos e não podem ser explicadas apenas por variações naturais de emissões de CO2 ou variações de luminosidade do sol — aponta.
Para Landim, o argumento desses grupos não se sustenta:
— É contraditório que aqueles que consideram o homem como um novo agente geológico, a ponto de batizarem uma nova era geológica de Antropoceno, considerem ao mesmo tempo que suas atividades não são capazes de alterar a composição da atmosfera a ponto de desencadear mudanças climáticas.
Desinformação de cara nova
Para Mariana Vale, uma das autoras do último relatório do IPCC, da ONU, é preciso considerar que as formas de disseminar desinformação sobre mudanças climáticas mudaram nos últimos tempos. Ela considera que não se nega mais as mudanças climáticas, nem que elas foram causadas pelo homem. No entanto, nega-se que essas mudanças sejam um problema, bem como a possibilidade de que as soluções propostas funcionem.
— Como já ficou praticamente impossível negar as mudanças climáticas, porque elas estão acontecendo diante dos nossos olhos, e também a quantidade de evidências científicas de que o homem é o principal ator por trás dessas mudanças, esses negacionistas climáticos começaram a se concentrar em criar fake news em torno das soluções, desacreditar as soluções que são propostas a partir de evidências científicas — diz Vale, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem as mudanças climáticas entre os principais temas de suas produções acadêmicas.
Para ela, há algo de positivo nisso, pois mostra que a sociedade se convenceu de que as mudanças climáticas são reais e estão acontecendo. Mas ela aponta um novo desafio: “demonstrar que existe evidência científica de que as soluções propostas são viáveis e têm que ser implementadas o quanto antes”.
As soluções, afirma Vale, passam pela decarbonização da economia em escala global e, especificamente no contexto do Brasil, também pela conservação de florestas – a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica – e no reflorestamento, sobretudo da Mata Atlântica e do Cerrado, os dois biomas brasileiros mais degradados.
Para combater a desinformação sobre o tema, os cientistas têm recorrido à geração de informação de qualidade:
— São evidências científicas a partir de dados robustos, e isso a gente gera em abundância já há muito tempo. O importante é conseguir aliados, e há muitos aliados que trabalham para difundir essa informação.
Ela cita, ainda, ONGs especializadas, mídias alternativas, redes sociais e mídia convencional, como jornais que replicam a informação correta.
Relação entre mudanças climáticas e desinformação
O 19º relatório do Fórum Econômico Mundial sobre riscos globais, publicado em janeiro deste ano, aponta que os eventos climáticos extremos e a desinformação são os dois maiores riscos globais em curto e longo prazo. Nos próximos dois anos, a desinformação aparece no topo da lista dos dez principais riscos, seguida imediatamente dos eventos climáticos extremos.
Já no prazo de 10 anos, os quatro primeiros itens da lista envolvem questões climáticas: eventos climáticos extremos; mudanças críticas nos sistemas da Terra; perda de biodiversidade e colapso de sistemas; e escassez de recursos naturais. O próximo item do ranking, não por acaso, é a desinformação.
Pesquisador do Global Change Institute, da Universidade de Queensland, na Austrália, John Cook mantém desde 2007 o site Skeptical Science (Ciência Cética, em tradução livre), que atua desbancando mitos em torno do aquecimento global com base em evidências científicas.
Entre os argumentos usados por aqueles que negam as mudanças climáticas estão as teses de que “o clima já mudou antes”, o aquecimento global “não é ruim”, “não há consenso científico”, que “animais e plantas podem se adaptar” e até que a Terra “está esfriando” e que a Antártida está “ganhando gelo”.
Todos os argumentos são desbancados por artigos, a exemplo deste que aponta que há consenso de 99% dos cientistas sobre o aquecimento global ser provocado, principalmente, pela atividade humana – o que reafirma o artigo de 2021 da Universidade de Cornell, citado acima –, ou este outro, que mostra como os impactos negativos do aquecimento global são muito maiores do que quaisquer aspectos positivos. Também não é verdade que a Antártida esteja ganhando gelo ou que a Terra esteja esfriando.
O geólogo José Maria Landim Dominguez acrescenta outras alegações que também foram sendo descartadas ao longo do tempo, como é o caso da tese de que a luminosidade do sol poderia aumentar a temperatura global – investigada e descartada.
— Outros processos como emissões naturais de CO2 devido à atividade vulcânica foram investigados e não conseguem explicar o aumento verificado — afirma.