O Observatório do Clima (OC) divulgou nesta quinta-feira (23) a nova coleção de dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). A 11ª edição do relatório mostra que o Brasil teve uma queda de 8% nas emissões brutas de gases de efeito estufa em 2022. O cenário foi puxado pela redução da taxa de desmatamento na Amazônia e por chuvas abundantes em algumas regiões do país, que causaram uma redução recorde no acionamento de termelétricas fósseis. Assim, o país sai de 2,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) em 2021 para 2,3 GtCO2e em 2022. No entanto, ainda há grande espaço para maiores ambições climáticas, salienta o órgão.
Considerando as emissões líquidas, que levam em conta as remoções de carbono por florestas secundárias, unidades de conservação e terras indígenas, a queda é de 11%, de 1,9 GtCO2e para 1,7 GtCO2e no mesmo período. O OC prefere falar em emissões brutas, que representam o que o país de fato lança na atmosfera. Contudo, como o governo federal utiliza as emissões líquidas para reportar à Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), são estas que embasam as análises do SEEG do cumprimento da NDC – a meta do Brasil no Acordo de Paris.
No evento de divulgação dos dados, David Tsai, coordenador do SEEG, enfatizou a queda expressiva de 2021 para 2022, mas alertou:
— Ainda assim é um patamar elevadíssimo. A gente veio de um patamar muito elevado, as emissões em 2022 ainda foram a terceira maior desde 2005, atrás apenas de dois picos que aconteceram também no governo anterior, em 2019 e 2021.
Já Marcio Astrini, secretário-executivo do OC, destacou que a organização sempre espera que, após a apresentação dos dados, as pessoas não se resignem à noção do problema, mas que ocorra uma consequência de ação para procurar soluções e enfrentar a crise.
— Antigamente, nós precisávamos consultar publicações e medições de cientistas para saber o que ia acontecer. Agora, basta ligar a televisão ou abrir a janela e a crise climática já está bem perceptível. Esse é um problema que precisamos nos debruçar para responder — lembrou.
Resultados dos setores
O relatório mostra um panorama diversificado das emissões dos diferentes setores da economia em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro. O setor de mudança de uso da terra (como desmatamento) continua detendo a fatia do leão das emissões nacionais: 48% em 2022, ou 1,12 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente. A maioria desse total, 837 milhões de toneladas, veio do desmatamento na Amazônia, que, apesar da política ambiental do governo Jair Bolsonaro, caiu 11% em 2022 – ao todo, o desmatamento entre 2019 e 2022 cresceu 60% em comparação com os quatro anos anteriores, a maior alta percentual em um mandato desde o início das medições. Contudo, no Cerrado, as emissões por desmatamento cresceram 13%, para 159 milhões de toneladas.
— O desmatamento na Amazônia, infelizmente, ainda é o botão de volume das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. O novo governo tem agido para reduzir esse volume, o que tem surtido efeito na Amazônia, mas vai ser preciso continuar esse esforço de comando e controle e políticas de incentivo à economia sustentável para levá-lo a zero, como prometeu o presidente, assim como incluir outros biomas nessa tendência — reforçou Bárbara Zimbres, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Na agropecuária, houve um aumento recorde de 3%, o maior desde 2003, puxado pelo crescimento do rebanho bovino. Foi o segundo setor mais emissor da economia brasileira no ano passado, com 617 MtCO2e, ou 27% das emissões brutas nacionais.
— Mesmo com a queda do consumo de fertilizantes, que reduziu as emissões na agricultura, tivemos essa elevação na pecuária, que trouxe todo o setor para cima — explicou Gabriel Quintana, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Em contrapartida, no evento, ponderou que os solos agropecuários, quando bem manejados, também ajudam a sequestrar carbono.
De acordo com o OC, o setor de energia teve uma queda expressiva, de 5%, o que resultou principalmente da redução na geração termelétrica por conta da chuva do ano passado, que levaram à maior queda da geração termelétrica da série histórica – 49% –, enquanto a hidrelétrica cresceu 18%. Junto a processos industriais e uso de produtos, categoria que também apresentou queda (de 6%, para 3%), o setor de energia foi responsável por 21% das emissões nacionais brutas.
— Somente essas condições climáticas fizeram com que o Brasil reduzisse o equivalente a 36 milhões de toneladas, ou um Uruguai, na geração de eletricidade. Isso compensou em parte o aumento das emissões dos transportes (que representa 44% dos setores de energia e processos industriais), que são o maior consumidor de combustíveis fósseis da matriz brasileira — argumentou Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, organização responsável pelas contas do setor.
Os extremos catastróficos do ano de 2023 mostraram ao mundo o que é a vida acima de 1,5ºC e deixaram claro que ninguém quer isso.
MARCIO ASTRINI
Secretário-executivo do Observatório do Clima
O setor de resíduos, cujas emissões aumentam ano a ano, acompanhando a população brasileira, teve uma oscilação para baixo pela primeira vez em 2022, de quase 1%. Isso se deve ao aumento da recuperação de metano para gerar energia em aterros sanitários controlados – o que representa uma redução de 20% nas emissões estimadas do setor em 2022 –, mas também a outro fator: a queda da população brasileira no último Censo do IBGE. No ano passado, esse setor representou 4% das emissões brutas totais do Brasil.
— Em 2022, tivemos pela primeira vez uma redução nas emissões por resíduos sólidos. É um indicativo de que no Brasil também é possível dispor e destinar de forma ambientalmente adequada o lixo e ainda mitigar as emissões de gases de efeito estufa, como nos países desenvolvidos — enfatizou Iris Coluna, do ICLEI – Governos Locais para a Sustentabilidade.
Na apresentação, Tsai apontou outro recorte possível quanto às emissões brasileiras em 2022 a partir do SEEG: por grupos de atividade econômica.
- Pecuária: 59% - rebanho bovino e conversão de terra de vegetação para pastagem
- Agricultura - 14%
- Agropecuária - finalidade não identificada (consumo de combustíveis dentro de fazendas) - 1%
- Transporte de carga: 5%
- Transporte de passageiro: 5%
- Saneamento básico: 4%
- Outras matérias-primas e indústrias: 2%
- Metalurgia: 2%
- Produção de combustíveis: 2%
- Geração de energia elétrica: 2%
- Cimento: 1%
- Edificações: 1%
- Outros: 1%
— As emissões brasileiras são ditadas pela atividade pecuária — pontuou.
Espaço para ambição
Em 3 de novembro, o governo federal realizou uma aguardada atualização da NDC junto à convenção, desfazendo a "pedalada de carbono" dos anos recentes, segundo o OC, e se comprometendo com dois limites absolutos de emissões líquidas: 1,3 GtCO2e em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030. A equipe do SEEG analisou as perspectivas de cumprimento das metas com base no histórico de emissões de 1990 a 2022 e concluiu que estão ao alcance: a meta de 2025 seria atingida com uma redução de 33% na taxa de desmatamento na Amazônia nos próximos dois anos – em um cenário conservador, no qual as emissões dos outros setores permanecem aproximadamente constantes; e a de 2030 poderia ser excedida em muito, caso o governo cumpra a promessa de zerar o desmatamento.
Neste caso, as emissões líquidas em 2030 seriam de 685 milhões de toneladas, um número 43% menor do que a meta atual, de 1,2 bilhão de toneladas.
— O que os dados do SEEG mostram é que há muito espaço para aumento da ambição climática do Brasil. E, se o governo estiver falando sério sobre ser o grande defensor da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima da média pré-industrial, terá de aumentar a ambição da NDC atual já para 2030, como todos os grandes emissores precisam fazer — afirmou Tsai.
Os cenários traçados pelo SEEG nesta edição são bastante conservadores, conforme Astrini:
— Mas apontam na direção do que o Brasil pode e precisa fazer para liderar pelo exemplo, tanto à frente do G20 quanto como presidente da COP30, em Belém, em 2025. Os extremos catastróficos do ano de 2023 mostraram ao mundo o que é a vida acima de 1,5ºC e deixaram claro que ninguém quer isso.