Por Délton Winter de Carvalho
Advogado, docente no Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos
Em 2015, escrevi um artigo publicado na seção Opinião de Zero Hora. O texto chamava a atenção para a alta histórica do nível do Guaíba, em virtude de chuvas extremas. O artigo era intitulado Hora de Acordar e citava um estudo realizado em convênio pela nossa Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o governo francês. O levantamento trazia um prognóstico de que, até 2050, os índices pluviométricos do Estado do Rio Grande do Sul teriam uma elevação de 5% a 10%, no nosso já chuvoso clima. No mesmo sentido, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vem alertando há décadas que regiões mais úmidas do planeta terão a incidência de maiores índices de chuvas extremas em um menor período de tempo, se comparado à média histórica registrada. De outro lado, as regiões mais secas do planeta ficarão ainda mais secas. Ocorre que os eventos climáticos extremos decorrentes das mudanças climáticas chegaram antes do que a própria ciência climática previa. É o que estamos vivenciando hoje.
O cenário é de uma verdadeira emergência climática, um novo “normal” que expõe o Estado (e o país) a eventos climáticos que, apesar de não serem novos, são de uma nova configuração, mais frequentes e mais intensos. Neste mês de setembro, enfrentamos aquela que chegou a ser descrita como “a maior tragédia ‘natural’ do Rio Grande do Sul”. Ocorre que desastres naturais não existem! Mesmo fenômenos climáticos dessa magnitude apenas se transformam em tragédias ou desastres quando há fatores humanos contribuindo para graves consequências. Por exemplo, ocupação de áreas de risco, moradias em planícies de inundações, falta de planejamento territorial, ausência de uma cultura preventiva aos riscos, planejamento inadequado para respostas emergenciais...
Desastres climáticos são compostos por vulnerabilidades e riscos. Vivemos em um país muito vulnerável social, tecnológica e economicamente. A desigualdade é a regra, e, em casos como esses, os menos favorecidos são os mais atingidos. Esta é a hora de agir, de atuar de forma humanitária, de prestar socorro. Mas não basta isso.
Muitas vezes o fenômeno que ocorre rápido, sem dar tempo de resposta, foi sendo gestado durante muitos anos – pela omissão. Os eventos climáticos extremos, como os que vivenciamos no Estado, têm um padrão que encontra raízes nas omissões. O Brasil tem uma Lei Federal de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (12.608/12), que prevê a necessidade de mapeamento de áreas de risco, para que o poder público não permita a ocupação destas e para que os Planos Diretores Urbanísticos prevejam medidas restritivas à ocupação dessas áreas. Apesar de a lei ter 21 anos, o cadastro federal de “municípios críticos” foi criado recentemente e tem apenas em torno de 50 cadastrados. E, pasmem, poucos com um efetivo mapeamento do risco e atenção desses riscos no Plano Diretor das cidades. Esse é o trabalho daqui para a frente.
Os desastres climáticos ocorrem em diversos locais do planeta, compartilhando os mesmos padrões, que têm relação direta com o poder econômico e social das comunidades locais e sua relação com o meio. Esses padrões podem e devem ser conformados pelo Direito e pelas políticas públicas. As catástrofes trazem à tona aquilo que fomos “varrendo para debaixo do tapete” como sociedade. É em tempos de catástrofes que podemos vislumbrar as medidas de redução de riscos de desastres que fizemos, ou deixamos de fazer, durante o tempo de “paz” (com a natureza). E é essa a justiça (climática) de longo prazo que precisamos prover para os atingidos e as gerações futuras de gaúchos.
A decretação do estado de calamidade é apenas o início de um novo ciclo, tal qual aquele de 2015. O que resta, após o término das intempéries e do socorro às vítimas, é o restabelecimento dos serviços públicos essenciais, a compensação das vítimas e do meio ambiente e a reconstrução das cidades atingidas de forma a torná-las mais seguras a esses eventos. De todo esse ciclo, o mais importante é aprender (e adotar medidas) para prevenir os efeitos desses fenômenos. Se assim for, o ciclo se fecha exitosamente, evitando-se novas perdas de vidas, de estruturas públicas e privadas. Do contrário, testemunharemos novos (e cada vez mais trágicos) desastres. A hora de acordar passou.
Desastres Climáticos e o Direito
Conversa com o advogado, escritor e historiador norte-americano Daniel A. Farber (foto), da Universidade de Berkeley (Califórnia). Na terça-feira (26/9), às 19h30min, na Escola de Direito da Unisinos. Gratuito, com inscrições prévias em gzh.rs/FarberUnisinos.