Um tema que tem aparecido com frequência nos debates e encontros entre lideranças internacionais é o uso e a potencial escassez dos recursos naturais. Discussões são motivadas, sobretudo, pela preocupação de que, daqui a alguns anos, o planeta Terra não seja capaz de oferecer aos seres humanos os elementos de que necessitam para sua sobrevivência, como água, alimento e matérias-primas advindas da natureza.
Inúmeros estudos já tentaram responder ao seguinte questionamento: qual o máximo de pessoas que a Terra é capaz de suportar? Para chegar a alguma conclusão, porém, é preciso considerar alguns fatores, como a taxa de crescimento populacional, o padrão de consumo e a disponibilidade e distribuição dos recursos naturais.
Para falar sobre o tema e os principais estudos na área, GZH entrevistou Luciano Zasso, professor de Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com ênfase em geografia física, e Luiz Fernando Mazzini, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador de assuntos como geografia rural, pecuária, agricultura e regionalização.
Qual é a população máxima que a Terra pode atingir com os recursos naturais atuais?
Para responder esta questão, é preciso levar em conta o padrão de consumo predominante na sociedade. Segundo o professor Luiz Fernando Mazzini, da UFRGS, quanto mais desenvolvido economicamente é um país, mais área natural ele consome. A quantidade populacional máxima varia de acordo com os hábitos de cada país.
— Com o padrão norte-americano, o número máximo de pessoas que a Terra seria capaz de suportar é de 1,3 bilhão; e com o padrão haitiano seria de 23,8 bilhões — comparou o docente.
Atualmente, a população da Terra é de 8 bilhões de pessoas, alcançadas na reta final de 2022, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Ainda conforme dados da ONU, a população demorou 12 anos para passar dos 7 bilhões para os 8 bilhões. Por outro lado, os 9 bilhões de pessoas só serão alcançados em 2037, ou seja, em 15 anos.
Mazzini destaca que, apesar do padrão de consumo haitiano permitir um maior limite no número de pessoas que a Terra é capaz de suportar, quando comparado ao norte-americano, ele também não é o ideal devido à falta de acesso da população haitiana a determinados recursos. Segundo o Banco Mundial, quase 60% dos 10,5 milhões de haitianos vivem abaixo da linha da pobreza (recebem US$ 2,44 por dia) e 24% na extrema pobreza (ganham US$ 1,24 diariamente).
— Podemos manter o pensamento que no padrão haitiano, ainda atual, do ponto de vista humanitário, não é desejável para ninguém. Já o padrão norte-americano é inviável — concluiu o professor da UFRGS.
Quantos planetas Terra seriam necessários para suprir a atual demanda de consumo?
Uma pergunta muito comum nos debates e reflexões que abrangem o uso dos recursos naturais é sobre quantos planetas semelhantes à Terra seriam necessários para suprir a atual demanda de consumo da sociedade.
Em 2019, uma pesquisa da organização internacional Global Footprint Network apontou que seria necessário 1,75 planeta semelhante à Terra para sustentar a população mundial, seguindo o padrão de consumo da época. Em 2020, em função das consequências da pandemia do coronavírus, que fez com que o modo de vida e o modelo de produção fossem forçados a mudar, o número caiu para 1,6. No entanto, em 2021, o valor voltou a subir, ficando em 1,7.
Para Luciano Zasso, contudo, essa questão não faz muito sentido porque, segundo o pesquisador, se tivéssemos outros planetas semelhantes à Terra e a sociedade não mudasse seus hábitos de consumo, os problemas de distribuição de recursos seriam os mesmos.
— Se existissem dois planetas Terra, por exemplo, com as mesmas características de desigualdade e de má distribuição de renda, continuaríamos com os mesmos problemas — disse o professor.
Zasso ainda acrescentou que o problema seria ainda maior em determinadas regiões devido à desigualdade social provocada pela má gestão dos recursos naturais.
— Há continentes, como por exemplo, partes da Ásia e boa parte da África, onde isso permaneceria mesmo a gente tendo dois, três planetas. Então, não é exatamente o número de planetas, mas sim como essa relação entre produção, consumo e sustentabilidade é encarada e gerenciada — finalizou o docente.
Como aumentar a capacidade de suporte da Terra?
Para o professor Luciano Zasso, o limite máximo de pessoas que a Terra é capaz de suportar pode estar próximo.
— Considerando o atual grau de exploração e consumo, podemos dizer que já estamos ultrapassando o limite, dentro de um viés de sustentabilidade, considerando 7,8 bilhões de pessoas que o planeta hoje apresenta — afirmou o professor da UFRGS.
Zasso enfatiza, contudo, que o uso de novas técnicas e tecnologias pode fazer com que esse limite seja extrapolado.
— A tecnologia promove o aumento da produção de alimentos, a exploração de recursos em áreas cada vez mais difíceis, como, por exemplo, a extração de petróleo de áreas mais profundas — exemplificou o docente da PUCRS.
Segundo Luciano, outra maneira de fazer com que a Terra tenha capacidade de suportar um maior número de pessoas é o investimento em alimentos químicos, como uma alternativa de substituição aos produtos naturais, em caso de escassez destes.
— Hoje, estudos nos trazem que essa tecnologia, principalmente na questão alimentar, permitiria produzir alimentos para sustentar 9 bilhões de habitantes — explicou Zasso.
O pesquisador Luiz Fernando Mazzini aponta um outro caminho possível para o problema: a melhor distribuição de recursos naturais. Para o docente, isso se concretizaria se as lideranças globais voltassem seus olhares para as questões humanas básicas e governassem de modo a atender às necessidades básicas dos indivíduos.
— Creio que primeiro devemos retomar os valores humanitários, com uma melhor distribuição da riqueza do planeta, de maneira que mais pessoas possam ter condições mínimas de uma vida digna. E isso só é possível coletivamente, com educação e democracia — opinou Mazzini.
De que forma é possível tornar a exploração e o consumo de recursos mais conscientes?
Uma das formas de tornar mais consciente o uso dos recursos naturais é promover um equilíbrio entre o tripé produção, exploração e consumo. Para o docente Zasso, no entanto, isso só será possível se houver uma distribuição de renda igualitária.
— Uma das maneiras de tornar mais justa a distribuição de renda é promover atividades econômicas que tenham mais valor agregado e que possam oferecer retorno e lucro para um número maior de pessoas. E não como ocorre na maior parte das cadeias produtivas do Brasil, onde esse montante fica concentrado nas mãos de poucos produtores — pontuou o professor da PUCRS.
O docente também pontuou a importância da educação para formar cidadãos mais conscientes e responsáveis sobre o uso dos recursos naturais.
— Eu acredito que a forma mais efetiva e interessante de promover essa conscientização sobre o uso dos recursos é pela educação de base — finalizou.
Além da educação, Luiz Fernando Mazzini acredita que é necessária uma mudança estrutural nos padrões de consumo e distribuição dos recursos naturais, que envolvem vários setores da cadeia produtiva.
— É necessária uma mudança nos padrões de consumo, mas também de distribuição. Uma mudança de comportamento e de sociabilidade — argumentou.
Produção: Filipe Pimentel