Depois de três anos consecutivos sob efeitos do fenômeno La Niña, a Terra deve enfrentar mais um El Niño, ainda a partir de 2023. As primeiras previsões sugerem o retorno na primavera deste ano, no Hemisfério Sul, podendo intensificar o aquecimento global durante o período em que estiver ativo. No Rio Grande do Sul, um novo El Niño, com base nos anteriores, pode significar mais tempestades com granizo e vento forte durante a primavera deste ano e o verão de 2024.
Segundo o meteorologista da Climatempo Vinícius Lucyrio, enquanto o La Niña corresponde ao resfriamento do Oceano Pacífico equatorial, o El Niño é o contrário. Quando ele está em ação, uma faixa estreita de águas desta região fica mais quente do que o normal. O El Niño pode durar até um ano e vem com intensidade maior do que eventos de La Niña.
— É como se a energia de todo um La Niña mais duradouro fosse concentrada num período mais curto de El Niño. O fenômeno La Niña não vem com tanta intensidade, mas dura mais. O El Niño costuma vir com uma intensidade moderada, por vezes forte, mas tem uma duração menor. Em geral, ele está associado ao aumento da chuva durante a primavera e o começo do verão, no Rio Grande do Sul — explica o meteorologista.
Neste momento, os principais centros de estudos meteorológicos no mundo, como o International Research Institute for Climate and Society, indicam que a probabilidade de um El Niño se iniciar ainda neste ano é de 51%. Se o fenômeno se confirmar, a maior preocupação dos cientistas é a temperatura média anual da Terra aumentar 1,5°C. Até agora, os gases de efeito estufa emitidos pelas atividades humanas elevaram a temperatura média global em cerca de 1,2°C. E isso já trouxe impactos catastróficos em diferentes partes do mundo, desde ondas de calor intenso nos Estados Unidos e na Europa a inundações devastadoras no Paquistão e na Nigéria, prejudicando milhões de pessoas.
Chance de eventos meteorológicos extremos
Francisco Eliseu Aquino, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor substituto do Centro Polar e Climático da mesma instituição, lembra que o ano mais quente registrado na história, em 2016, foi impulsionado por um grande El Niño.
— Há cerca de 40 anos, a média da temperatura da Terra era 14°C. Atualmente, estamos em 15,1°C, subindo lentamente. Pelos acordos (de Paris e Davos), a gente precisa frear as emissões de gás de efeito estufa para que a Terra não chegue ao patamar de 1,5°C acima da média global, alcançando 15,5°C. Confirmando o El Niño, há grande chance de bater uma anomalia de temperatura média anual de 1,5°C entre 2023 e 2024. Mas quando ele finalizar, teremos a chance de voltar para 1,1°C ou 1,2°C de aumento na temperatura média global. É melhor, mas não é o ideal, de forma alguma — resume Aquino.
O professor da UFRGS esteve recentemente entre os cientistas que participaram da missão Criosfera 2022, na Antártica para estudar os efeitos das mudanças climáticas na Terra. Ele alerta que, se a temperatura média global atingir o aumento de 1,5°C em um planeta que já está com o oceano quente e a circulação atmosférica alterada, aliado aos desmatamentos do Cerrado e da Amazônia, há grandes chances de eventos meteorológicos extremos, inclusive no Rio Grande do Sul.
— Para nós, no Rio Grande do Sul, na primavera de 2023 e no verão de 2024 poderá ter chuva muito mais intensa, granizo e tempestades severas — aponta.
O meteorologista Lucyrio vai além, acrescentando a formação do chamado complexo convectivo de mesoescala, um grande conglomerado de nuvens com formato quase circular e capaz de cobrir o Estado inteiro, com potencial de trazer chuva muito volumosa, acompanhada de descargas atmosféricas, vento forte, podendo causar microexplosões (quando toda a chuva de uma única nuvem cai de uma vez, causando forte corrente de vento da nuvem em direção ao chão, concentrada em uma pequena área, e gerando fortes rajadas de vento em superfície) e até atividades de tornado.
Período de condição neutra
Já a professora do curso de Meteorologia da Universidade de Federal de Santa Maria (UFSM) Simone Ferraz acredita ser cedo para se dizer que um El Niño irá se formar porque o aumento da temperatura do oceano está gradativo. Antes deste fenômeno, porém, lembra a professora, ainda haverá um período no outono e no inverno em que o planeta não estará sob efeito de La Niña ou El Niño, a chamada condição neutra.
— Se confirmar o El Niño, será preciso pensar qual dos tipos. Alguns geram mais chuva no Rio Grande do Sul e outros, nem tanto. Se for o mais tradicional, em geral, gera um pouco mais de chuva e ficará menos frio na região. Confirmando essa condição, pode ser que voltemos a ter chuva no Estado, que é o que todo mundo espera, na verdade — diz Simone.
E, neste ponto salientado por Simone, os gaúchos estão precisando de água. O Rio Grande do Sul enfrentou estiagem durante 2022, especialmente no oeste do Estado, onde teve 250 milímetros de déficit hídrico, e no Leste, com 150 milímetros de déficit hídrico, segundo o Centro Polar e Climático da UFRGS.