Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, professor da Furg
Quando o inglês Alexandre Pakers, em 1860, iniciou seus estudos com o nitrato de celulose, um tipo de resina utilizada em estado sólido que tinha como características principais a flexibilidade, resistência a água e fácil pintura, certamente não imaginava o alcance do seu invento revolucionário, que ganhou o nome de “parkesina”, um material orgânico, derivado da celulose, que, quando aquecido, podia ser moldado, mantendo a forma ao esfriar. Na Great London Exposition (Grande Exposição de Londres), realizada em 1862 junto aos jardins da Royal Horticultural Society, em South Kensington, Londres (Inglaterra), Pakers apresentou as primeiras amostras do que podemos chamar de antecessor da matéria plástica, hoje uma família de polímeros com centenas de componentes.
No mesmo ano, em Albany, Estado de Nova York, o norte-americano John Wesle Hyatt, ao saber de um concurso lançado pela empresa Phelan and Collander para substituir o marfim, utilizado na produção de bolas de bilhar, começou uma pesquisa e obteve êxito em 1870. Hyatt criou um composto de celuloide – uma mistura de nitrato de celulose com adição de piroxilina, cânfora, álcool, polpa de papel e serragem. Era a primeira versão comercial
do plástico. Um material rígido, porém de fácil manipulação, que ganhou aplicação imediata nas restaurações dentárias.
O composto de celuloide foi um sucesso e, nos anos posteriores, acabou definindo a nomenclatura das matérias plásticas criadas. Em 1905, o engenheiro têxtil suíço Jacques Brandenberger inventou o celofane a partir da celulose, na tentativa de criar uma película protetora impermeável para toalhas de mesa. Em 1909, o químico belga Leo Hendrik Baekeland deu início à produção do plástico moderno ao criar o primeiro plástico totalmente sintético e em escala comercial, chamado de baquelite, que não deformava quando exposto ao calor. O baquelite substituiu inúmeros materiais naturais provenientes de animais, como marfim, cascos de tartarugas e madeira, utilizados para fabricar pentes, cabos de facas, botões, revestimentos elétricos... A revolução dos plásticos estava começando.
Em 1920, Hermann Staudinger, professor de Química Orgânica de Eigenössische Technische Hochschule, em Zurique (Suíça), iniciou seus estudos de estrutura e propriedade dos polímeros naturais (celulosa e isopreno) e sintéticos.
Em 1930, surge o poliestireno, que tem como material base os químicos eteno e benzeno, com produção comercial iniciada na Alemanha, em 1936. Na sequência, aparecem o polietileno, o PVC, os poliamidas (nylon) e o poliéster.
O conhecimento da polimerização tornava possível criar novos materiais plásticos de alta resistência mecânica, capazes de suportar amplitudes térmicas elevadas (os tecnopolímeros). E o plástico entra com tudo em nossas vidas.
A substituição progressiva dos materiais tradicionais mudou o conceito de utilidade das coisas e revolucionou o mercado de consumo. O plástico está em quase tudo e sem dúvida reduziu a pressão sobre os recursos naturais finitos. O plástico impulsionou a conquista do espaço e redefiniu o modelo de civilização. No entanto, seu uso abusivo está se voltando contra nós. Além de contaminar os oceanos, está interagindo com a fauna e exterminando a vida. Há plástico em todo lugar e a contaminação por micropartículas plásticas tornou-se um problema fora de controle. Aliás, muito além do que já era imaginado. Está no ar, na água e nos alimentos.
No ambiente livre, os microplásticos podem capturar poluentes orgânicos persistentes (POPs) altamente nocivos e servirem de veículo transportador para o interior da célula, com toxicidade elevada em até 10 vezes. A presença de fibras plásticas pode afetar a reprodução das espécies e interferir na evolução. Na vida marinha já foi identificado que a exposição ao plástico particulado repercute de forma desigual. Algumas espécies são mais tolerantes à toxicidade do que outras. São as espécies que ocupam os níveis tróficos superiores da cadeia alimentar as mais vulneráveis e suscetíveis ao consumo de microplásticos.
No organismo humano, a presença do plástico pode estar associada a uma série de doenças, podendo causar esterilização, problemas comportamentais e outros danos à saúde. A ingestão de microplásticos pode causar a morte da célula e provocar reações alérgicas. Também foi observado que o formato da partícula influencia no tipo de dano e que partículas plásticas irregulares causam mais morte celular. Recentemente, um estudo pioneiro realizado em Amsterdã (Holanda) confirmou a presença de plástico na circulação sanguínea. O que significa dizer que as partículas ingeridas são capazes de circular pelo nosso corpo e se alojar em diferentes órgãos.
As fontes mais comuns de microplásticos estão associadas à produção têxtil, ao uso de tecidos sintéticos e à lavagem diária de nossas roupas. Geramos uma enorme quantidade de partículas, que saem das máquinas de lavar direto para o esgoto, ao encontro do corpo hídrico mais próximo. E assim o plástico, aliado do dia a dia, se transformou em um vilão de múltiplas utilidades.