A nuvem de areia vinda do deserto do Saara segue sua jornada, atingindo vários países em ao menos três continentes. Nesta semana, além da África, as partículas chegaram à Europa e também à América do Sul, inclusive, sendo percebidas na parte Norte do Brasil. Capaz de viajar até 10 mil quilômetros, a também chamada "nuvem de poeira Godzilla" mudou a paisagem em vários locais, promovendo um ambiente mais "alaranjado".
Na Inglaterra, moradores da capital compartilharam imagens do fenômeno nas redes sociais, onde destacavam o laranja do céu e as partículas de poeira acumuladas em carros, edifícios e até no famoso metrô de Londres. Alguns chegaram a afirmar terem presenciado uma "chuva de sangue", com pequenas gotículas avermelhadas, segundo reportou o tabloide britânico The Mirror.
Na Espanha, onde fenômeno é conhecido como "calima" ("bruma", em tradução livre), a situação era semelhante. Muita poeira acumulada e uma paisagem alaranjada.
Devido à intensa nuvem de areia, a qualidade do ar em áreas de Portugal, Espanha e França foi considerada "degradada", e as autoridades pediram cautela aos moradores. Entre as recomendações, evitar sair às ruas e fumar ao ar livre.
Segundo o sistema de vigilância por satélite Copernicus, a concentração de partículas na superfície atingiu 250 microgramas por metro cúbico, número bem acima do limite de 50 microgramas por metro cúbico por 24 horas – a referência foi definida como máximo recomendável pela União Europeia.
– Está muito seco na Europa, por isso esse cenário todo. Por aqui (Brasil), a situação é diferente, pois é época de muita chuva no Norte – afirma a meteorologista da Climatempo Fabiene Casamento.
Esse transporte de poeira do Saara sobre o Atlântico tropical, explica Fabiene, é comum e ocorre todos os anos, mas com intensidade e abrangência diferenciadas. Há casos em que a camada de poeira é muito densa e interfere na visibilidade em superfície, como o que ocorreu nos países europeus esta semana. Mas, em geral, a poeira que vem do Saara não é vista caindo do céu ou soprada pelo vento e encobrindo objetos, reduzindo a visibilidade na nossa frente.
– Ela é bem potente. Pode causa turbulência se um avião passar por dentro dela. Em 2020, foi tão intensa que chegou a ser percebida nos Estados Unidos, mas isso é evento raro – destaca a meteorologista, afirmando que o fenômeno tem mais chance de atingir a faixa norte do Brasil entre janeiro e maio.
A jornada da nuvem atual deve se intensificar neste final de semana, seguindo por mais uns dias até se dissipar. Por aqui, no entanto, apenas o norte das regiões Norte e Nordeste pode ser atingido e, mesmo assim, sem os transtornos sentidos pelos europeus.
– A chuva não permite que ela seja visível – afirma Fabiene.
O que é nuvem de poeira?
A nuvem de poeira do Saara consiste em uma enorme massa de ar seco, carregada de partículas de areia, que se forma sobre o deserto que a nomeia. Segundo a BBC, essa espessa camada geralmente se manifesta no final da primavera, no verão e no começo do outono no Hemisfério Norte, e se desloca em direção ao Oeste sobre o Oceano Atlântico a cada três ou cinco dias.
Tradicionalmente, a atividade da camada de ar do Saara aumenta em meados de junho, alcançando seu ponto máximo até meados de agosto, quando começa a diminuir rapidamente. A nuvem costuma ter duração curta, não superior a uma semana. Porém a presença de ventos em certas épocas do ano a tornam mais propensa a cruzar o Atlântico e percorrer milhares de quilômetros.
De acordo com a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA), a cada ano, mais de 100 milhões de toneladas de poeira saariana sopram da África.
Nuvem de poeira e os furacões
Quando a poeira do Saara atua sobre o Atlântico Norte, principalmente sobre a porção tropical, costuma diminuir bastante a formação de furacões. A camada de poeira sobre o oceano deixa o ar mais seco e é capaz de reduzir a temperatura da superfície do mar em torno de 1°C.
Além disso, a nuvem de poeira vinda do Saara causa um aumento da variação dos ventos em altitude, que é outro fator que inibe o crescimento dos furacões.
Ajuda a Amazônia
A presença da poeira do Saara aumenta os núcleos de condensação para as gotas de chuva e também ajuda no aumento de volume de água e dos raios no Norte do Brasil. O núcleos de condensação são partículas sobre os quais se depositam o vapor de água e gotículas de água e que são muito importantes para a formar as gotas de chuva. Sem eles, as gotas de chuva iam demorar muito tempo para se desenvolver.
Outro grande destaque também é que a poeira do Saara fornece nutrientes para a Floresta Amazônica, como o fósforo, que é essencial para a vegetação local. É natural que durante a estação chuvosa haja contribuição de poeira do Saara sobre a região da Amazônia, por exemplo. Esporadicamente, essa poeira pode vir acompanhada de aerossol de queima de biomassa proveniente da região do Sahel, no norte africano.