Uma série de fatores, que inclui, principalmente, a falta prolongada de chuva, transformou em deserto cerca de 50% da Lagoa do Peixe, localizada dentro do parque nacional de mesmo nome, em Tavares, no Litoral Médio, a 220km de Porto Alegre. Pelo menos os três maiores dos oito setores da lagoa disponíveis para pesca estão só poeira — Costa, Lagarmazinho e Paiva. Em menos de um mês, numa área onde antes a água poderia chegar de 60cm até 1m de altura, a terra seca passou a expor redes de pesca de camarão e os restos de milhares de camarões, siris e peixes, incluindo espécies ameaçadas de extinção, como o burriquete.
Na manhã desta quinta-feira (3), ao lado de uma equipe de técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a reportagem de GZH entrou na área onde deveria ser a lagoa e andou por 10km sem encontrar água. Já na chegada, próximo ao pórtico de entrada da Estrada do Talhamar, o cenário assustou: um vento Nordeste soprava forte, levantando uma nuvem contínua de poeira onde deveria ter um transparente espelho d'água. O córrego que antes ficava sob o primeiro pontilhão desapareceu. Apenas bois pastavam ao longe no campo ressecado em um dos extremos.
Ao ingressarmos na lagoa propriamente dita, foi possível perceber a emoção do gestor do parque, Fabiano José de Souza, que, antes de se tornar biólogo e funcionário, foi pescador durante dez anos na lagoa.
— São muitas espécies que vivem neste local e é muito difícil ver tudo assim, seco — comentou Fabiano, engolindo o choro.
No setor Costa, o mais próximo da estrada do Talhamar, o último ponto onde havia água até domingo (30) estava seco nesta quinta e acumulava diferentes espécies mortas. O cheiro de putrefação ia a quilômetros de distância, levado pelo vento. Ao todo, 201 pescadores são liberados para atuar dentro do parque. Fabiano estima que pelo menos duas toneladas de peixes já tenham se perdido.
Presidente da Colônia de Pescadores Z11, que abrange os municípios de Mostardas e Tavares, Jair Joaquim Lucrécio, 60 anos, que nasceu na barra da Lagoa do Peixe, calcula um prejuízo mínimo de R$ 5 milhões para os pescadores artesanais e ainda projeta uma quebra de até 90% na safra de camarão rosa, iniciada em dezembro e que deve seguir até maio. Nesta semana, ele encaminhou à Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura uma solicitação para que os pescadores possam usar a Lagoa dos Patos enquanto a do Peixe permanece seca. Jair ainda não obteve retorno.
— Nesta lagoa pescamos linguado, peixe-rei, tainha, camarão, entre outros. Dá vontade de chorar, pois é onde nós vivemos. É a minha casa, a minha vida. Muitos dependem dela para sobreviver — contou Jair, por telefone.
O Parque Nacional da Lagoa do Peixe é uma unidade de conservação ambiental, sob gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e é conhecido também como um santuário de aves migratórias, que passam pela região para descansar e se alimentar entre os meses de setembro e março. Quem cruza as estradas do parque costuma observar, por exemplo, flamingos.
Desta vez, apenas um bando de biguás se refugiava no que restava de água no setor Paiva. Mas não ficariam por muito tempo, com o vento Nordeste soprando e o sol de mais de 30°C. A água salinizada pelo mar seguia evaporando rápido. As marcas do dia anterior, de cerca de 30m de extensão em direção ao fino espelho de água que restava, indicavam até onde a lagoa havia secado em 24 horas. O gestor ambiental do ICMBio e chefe de Brigada do Parque, Riti Soares dos Santos, 36 anos, há 15 atuando no órgão, previa que a área ficaria seca a partir desta sexta-feira (4), caso não chovesse nas próximas horas.
— Fico pensando onde estão indo as aves migratórias, neste momento. Este lugar era fundamental para elas seguirem viagem — comentou a estudante de biologia e funcionária do ICMBio Juliana Pereira, que em 12 de janeiro percorreu num caíque o trecho que nesta quinta (3) estava seco.
Além da estiagem, o gestor do parque explicou que os ventos Nordeste e Leste vêm soprando há meses, reduzindo a altura do mar, que deixa de transpassar a barra de areia que o separa da Lagoa do Peixe. Além disso, o calor intenso e a estiagem que há meses assola a região estão impactando diretamente no cenário. Nesta semana, o ICMBio montou um grupo de trabalho para discutir alternativas que amenizem estiagens futuras e também manter a biodiversidade da região. Porém, Fabiano ressalta que será necessário um estudo de viabilidade técnica antes de qualquer ação ser executada, já que se trata de uma área de preservação ambiental.
Para a situação começar a voltar ao normal, será preciso chover 200 milímetros em um curto espaço de tempo e ventar do Sul por quatro dias para ajudar a subir o mar. Só assim, ele conseguirá transpor a barra de areia que o separa da lagoa.