O extenso litoral sul do Rio Grande do Sul é dono de uma enorme biodiversidade. Em meio a regiões de preservação ambiental e cidades históricas, estão projetos que têm como objetivo dar condições para que natureza e ser humano vivam em equilíbrio. Uma dessas iniciativas é o Pinípedes do Sul, ação que monitora o comportamento dos leões-marinhos-do-sul (Otaria flavescens). Seus responsáveis estimam que esses animais poucas vezes tenham sido vistos com tanta frequência e quantidade no estuário da Lagoa dos Patos como em 2021. Além disso, eles têm tido a companhia de outras espécies, alguns visitantes mais raros no local – focas, lobos-marinhos e elefantes-marinhos.
A aparição dos leões-marinhos é usual. Essa região é considerada parte do habitat desses grandões, que podem chegar a 350 quilos e cerca de dois metros e meio de comprimento. Oriundos do litoral norte da Argentina e do sul do Uruguai, eles encontraram na barra da Lagoa dos Patos um local tranquilo para descansar e se alimentar. Costumam migrar para o estuário todos os anos entre o início do outono e o final da primavera.
O Molhe Leste, em São José do Norte, é o local preferido da maioria. A área, com cerca de 30 quilômetros quadrados, é considerada uma unidade de conservação desde os anos 1980.
Apenas em um dia do final de novembro foram registrados 115 indivíduos durante o monitoramento acompanhado pela reportagem. Neste ano, o recorde contado pelos integrantes do projeto foi 143, no mesmo mês, quantia superior a qualquer outra registrada nas últimas três décadas. Entre as várias dezenas de machos, que são maiores e caracterizados por uma espécie de juba, há em média apenas de 15 a 20 fêmeas.
– Esse aumento nos parece ser uma questão natural. Faz parte do ciclo natural da espécie, principalmente por se tratar, em sua maioria, de machos e adultos – explica o ecólogo Leonardo Martí, 38 anos.
Tantos animais assim tão próximos da cidade atraem olhares e passam a fazer parte da rotina da comunidade. É por esse motivo que nasceram projetos como o Pinípedes do Sul – que é coordenado por Martí. A iniciativa, integrada também por oceanógrafos e biólogos, entre outros profissionais, é apenas uma das diversas levadas a cabo pela ONG Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema).
Para acompanhá-los no monitoramento desses animais, GZH embarcou com os pesquisadores desde a Quarta Secção da Barra, em Rio Grande. Fomos conduzidos pelo barqueiro Sadi Gautério, 66 anos, 20 dos quais levando a turma do Pinípedes do Sul através da barra da lagoa.
– A gente vê tantos passarem por aqui. Vejo hoje grandes profissionais formados que cresceram e começaram aqui – ele diz, orgulhoso.
A região é conhecida pelo forte e constante vento. No entanto, ao nos aproximarmos da grande barreira de pedras dos molhes, a brisa arrefece – justamente na área em que a lagoa encontra o oceano.
Os primeiros leões podem ser avistados nas pedras. Mas a maioria prefere ficar em outra área, mais à frente, em estruturas chamadas de tetrápodes. São grandes peças de concreto armado, feitas especialmente para esses locais.
Assim que enxergam os animais, os pesquisadores começam as contagens, que são repetidas de três a quatro vezes, sempre dividindo os leões entre adultos e “subadultos” – quando o animal já passou pela fase juvenil, mas ainda não desenvolveu todas as características físicas de um indivíduo maduro.
Alguns mais velhos também são avistados. Eles são facilmente diferenciados devido ao porte físico avantajado e à pelagem mais desbotada. Segundo Martí, esses animais, já na fase final da vida, podem ficar na região durante o ano todo, sem acompanhar o grande grupo nas migrações.
– E esses já estão mais acostumados com as pessoas. Eles ficam porque o espaço é tranquilo e há comida, ou seja, peixes, em abundância. Quando saem daqui, já não conseguem mais disputar as fêmeas com os machos mais jovens. Por isso, acabam ficando – explica Martí.
Normalmente, os leões mais velhos são os que aparecem em áreas movimentadas, como a orla do Centro Histórico de Rio Grande, em frente ao Mercado Público ou à Estação Hidroviária, permanecendo a poucos metros das pessoas. Nesse local onde o homem e os animais marinhos se encontram, há uma busca por equilíbrio constante. Com isso, os órgão ambientais surgem com a missão de agirem como agentes reguladores. Conforme Martí, a relação atual entre os projetos e os pescadores é fundamental na receita do equilíbrio entre a atividade pesqueira e um ambiente saudável para os animais.
– Antigamente havia muita tensão entre os pescadores e os animais, principalmente pelos casos em que eles estragavam as redes ao tentarem se alimentar – destaca.
O clima de receio, no entanto, ficou para trás. Os pescadores já veem os cientistas como parceiros.
– Hoje, se um pescador enxerga um leão-marinho em algum local incomum, já nos faz o alerta. Se ele visualiza um animal machucado, nos aciona ou avisa os órgãos competentes – conta o pesquisador.
O conhecimento é o mais importante. Ter consciência dos animais e das regras de convivência com eles. Entender o papel que têm no nosso ambiente e respeitar o espaço deles, sabendo até onde podemos nos aproximar sem estressá-los. Aprender isso é fundamental.
CATARINA DE ZOTTI PINHO
18 anos, estagiária voluntária na ONG Nema
Além da preservação e da convivência em harmonia com a fauna, o Nema tem realizado cursos relacionados com o meio ambiente. Estudante de Geoprocessamento no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), moradora da Praia do Cassino desde pequena, Catarina de Zotti Pinho, 18 anos, já participou de várias dessas atividades. Desde o ano passado, ela atua como estagiária voluntária na ONG.
– Já era um sonho meu fazer parte da equipe. Ainda pretendo cursar Biologia para trabalhar com a reabilitação dos animais, então o projeto era um caminho que eu queria seguir – diz.
Para Catarina, o aprendizado é essencial para a vida harmônica entre as pessoas e os animais:
– O conhecimento é o mais importante. Ter consciência dos animais e das regras de convivência com eles. Entender o papel que têm no nosso ambiente e respeitar o espaço deles, sabendo até onde podemos nos aproximar sem estressá-los. Aprender isso é fundamental.