Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, professor na Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
A 26ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP26, encerrada no dia 13, em Glagow (Escócia) após longo período de debates, aprovou um texto final suavizado nos termos do acordo, em uma espécie de quase consenso entre os países-membros participantes. Pela primeira vez, o documento prevê a redução gradativa dos subsídios aos combustíveis fósseis, particularmente o uso do carvão como fonte energética. Falava-se em acelerar a eliminação; depois, o documento passou a prever a eliminação progressiva; por fim, na versão final, a Índia pediu de última hora para trocar o termo eliminação por redução do uso do carvão. Um jogo simples de palavras, porém com forte repercussão na complexidade política de cada país signatário, que ao firmarem compromissos levam para casa a missão de implementar medidas que alteram o desenho de suas economias. O que quase sempre é recebido com muita resistência.
Talvez isso explique porque nações ricas ignoraram o apelo de criação de um instrumento que permitisse aos países vulneráveis acessar recursos financeiros para ações de prevenção e reconstrução contra eventos climáticos. Um mecanismo específico para reparar danos causados pelos efeitos devastadores do aumento de tempestades, dos períodos prolongados de seca e das ondas de calor, o chamado apelo dos “danos e perdas”. Talvez isso explique também porque ainda não foi colocado em prática o fundo de US$ 100 bilhões anuais, prometidos pelos países ricos, no Acordo de Paris (2015), para apoiar os países mais vulneráveis a enfrentar as mudanças climáticas. Talvez se explique porque nada do que foi firmado até agora seja capaz de garantir que o aquecimento global será limitado a 1,5°C até o final deste século. Talvez, por fim, esteja explicada a decepção daqueles que foram implorar por ajuda. Aqueles para os quais a mudança climática já é uma questão de vida ou morte.
Estudos apresentados na COP26 mostraram como essas mudanças afetam de maneira desigual diferentes regiões do globo. Os países africanos, por exemplo, que respondem por 3% das emissões de gases do efeito estufa, já gastam 10% do PIB/ano, em média, com impactos climáticos. Sem ajuda internacional, os mais pobres poderão gastar até 20% com eventos extremos. Apesar da posição constrangedora do Brasil, de aumento desenfreado do desmatamento e notório descaso com a política ambiental, nos colocamos ao lado dos mais pobres e pressionamos as nações ricas para que cumpram as promessas de financiamento climático. No entanto, temos R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia depositados no cofre público, sem aplicação na devida finalidade de conservação da floresta e combate ao desmatamento. E é justamente conversão das florestas em lavouras e/ou pastagens que nos coloca entre os países responsáveis pelo aquecimento global, ao lado de EUA, China, União Europeia, Rússia e Índia. Cerca de 50% das nossas emissões de GEE estão associadas ao desmatamento. Esse é o nosso principal desafio, entre outros, na descarbonização da economia.
Até o governador Eduardo Leite firmou compromissos na COP26. O problema é se vai continuar insistindo em políticas de estímulo ao carvão e projetos de gás natural e acaba de aprovar o autolicenciamento para 49 atividades, que se espraiam pela agricultura, indústria e construção civil.
MARCELO DUTRA DA SILVA
Professor da Furg
De toda sorte, embora o acordo não seja perfeito, ele é viável. A regulamentação do mercado de carbono é uma das decisões positivas da COP26. Inclusive, foi uma importante mudança do nosso posicionamento em relação ao Art. 6º do Acordo de Paris, que faz referência aos créditos de carbono. Nos colocamos contrários, em edições anteriores, mas finalmente vislumbramos que é algo que pode nos beneficiar. Aliás, é o que pode tornar possível atender aos compromissos que assumimos sem esclarecer, exatamente, como serão alcançados. Assim como outros 120 países, que também se comprometeram a conter o desmatamento e reduzir as emissões de metano até 2030. Ou como os mais de 40 países, grandes usuários de carvão, como Polônia, Vietnã e Chile, que concordaram em abandonar o minério (mas sem prazo).
Porém, a conquista mais comemorada de todas foi o compromisso conjunto de EUA e China de aumentar a cooperação climática na próxima década. As nações acordaram em reduzir as emissões de GEE, fazer a transição para energia limpa e manter viva a meta de 1.5°C. Até o governador Eduardo Leite firmou compromissos na COP26. O problema é se vai continuar insistindo em políticas de estímulo ao carvão e projetos de gás natural e acaba de aprovar o autolicenciamento para 49 atividades, que se espraiam pela agricultura, indústria e construção civil. Definitivamente, não tem como dar certo.