Cantado e descrito em verso e prosa na cultura gaúcha como uma região tradicional do Rio Grande do Sul, não raro se confundindo com a própria noção territorial do que é ser gaúcho, o pampa nunca esteve menor. Atualmente, a vegetação nativa ocupa 33,6% do bioma. A participação é menor do que em 1985 e 2012, quando os campos nativos cobriam, respectivamente, 44,4% e 37,5% do território do bioma.
A diminuição da vegetação nativa campestre decorre das expansões da produção agrícola, da silvicultura e das pastagens cultivadas, sendo que a soja é o principal cultivo a ocupar as áreas originalmente constituídas de vegetação, conforme aponta o estudo A Agonia do Pampa, da Rede Campos Sulinos, iniciativa capitaneada por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A pecuária é outra das principais atividades econômicas da região e, em conjunto com a expansão das monoculturas e pastagens, coloca em risco a preservação local.
O dilema do pampa é justamente esse, de como consorciar as duas coisas: a agricultura, que é importante, com os campos nativos, que são a natureza típica do pampa
EDUARDO VÉLEZ
Biólogo e pesquisador
— O dilema do pampa é justamente esse, de como consorciar as duas coisas: a agricultura, que é importante, com os campos nativos, que são a natureza típica do pampa — explica o biólogo e pesquisador Eduardo Vélez.
Vélez explica que a supressão do campo nativo é, no pampa, equivalente ao desmatamento da Amazônia. A área plantada com soja, por exemplo, no pampa gaúcho cresceu 188,5% entre 2000 e 2015. Atualmente, há mais área de plantio (38,3% do território) do que da paisagem natural no bioma.
Nesta quinta-feira (17), é comemorado o Dia Nacional do Bioma Pampa – a data é uma homenagem ao nascimento do ambientalista José Antônio Lutzenberger. Mas o cenário, no momento, é de pouco a celebrar.
Em outubro, o coordenador da Rede Campos Sulinos, Valério Pillar, enviou, em nome dos mais de 30 grupos de pesquisa que compõem a rede, uma análise técnica e quantitativa do problema ao governo do Estado, Secretaria Estadual do Meio Ambiente, presidência da Assembleia Legislativa e Ministério Público. A análise, baseada em dados de mapeamento produzidos a partir de imagens de satélite, revela um quadro preocupante quanto à vegetação nativa campestre do bioma pampa.
— Esse tipo de vegetação nativa vem sofrendo historicamente os efeitos da sua supressão para usos alternativos do solo, sobretudo para a expansão da agricultura e da silvicultura. Em muitos casos, essa conversão já ultrapassou limites considerados aceitáveis do ponto de vista ecológico, resultando em extinções locais de espécies e comprometimento de serviços ecossistêmicos — define Pillar, professor titular do Instituto de Biociências da UFRGS.
Para os pesquisadores, a negligência em implantar de forma adequada e correta a Lei de Proteção da Vegetação Nativa vem causando prejuízos socioambientais significativos, que tendem a se agravar por conta de dispositivos, conforme o professor, ambientalmente inadequados inseridos no novo Código Estadual do Meio Ambiente, como o que implicitamente isenta proprietários rurais da obrigação de delimitar a reserva legal em áreas de vegetação campestre.
Biodiversidade ameaçada
Por só existir no Rio Grande do Sul, (o pampa) fica negligenciado nas políticas nacionais, que são mais direcionadas aos outros biomas brasileiros
MAICON TOLDI
Biólogo, doutor em Ambiente e Desenvolvimento
Região de grande biodiversidade, o pampa ainda não foi completamente desvendado pelos pesquisadores. O Ministério do Meio Ambiente estima que existam aproximadamente 3 mil espécies de plantas e quase cem de mamíferos no local. Mas, apesar da riqueza natural reconhecida, estudiosos apontam que o bioma foi negligenciado por muito tempo, ocasionando uma perda progressiva da sua biodiversidade.
— Por só existir no Rio Grande do Sul, (o pampa) fica negligenciado nas políticas nacionais, que são mais direcionadas aos outros biomas brasileiros — define Maicon Toldi, que concluiu seu doutorado na Univates com uma pesquisa sobre o controle biológico no pampa.
A pesquisa Contas de Ecossistemas: Espécies Ameaçadas de Extinção no Brasil, divulgada neste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que a preocupação com esses animais e plantas não se limita apenas aos campos verdejantes do bioma gaúcho. No Brasil, o pampa é o único em que o ambiente de água doce tem uma proporção de espécies ameaçadas maior do que o terrestre – são 48, totalizando 8,4% das espécies de água doce do pampa, contra 5,4% no ambiente terrestre.
Esse tipo de vegetação nativa vem sofrendo historicamente os efeitos da sua supressão para usos alternativos do solo, sobretudo para a expansão da agricultura e da silvicultura. Em muitos casos, essa conversão já ultrapassou limites considerados aceitáveis do ponto de vista ecológico
VALÉRIO PILLAR
Professor titular do Instituto de Biociências da UFRGS
O estudo do IBGE apontou que a mata atlântica é o bioma com mais espécies ameaçadas, tanto em números absolutos (1.989) como proporcionalmente (25%). Em seguida, vem o cerrado, com 1.061 espécies ameaçadas, 19,7% do total do bioma, e a caatinga (366 espécies, ou 18,2%).
O pampa, apesar de ter um número de espécies ameaçadas menor, (194), apresenta uma proporção semelhante (14,5%). E o bioma gaúcho conta com uma das mais altas proporções de espécies ameaçadas da flora terrestre: 36%, atrás apenas do cerrado, com 39%.
Falta de proteção
Também conhecido como campos do sul ou campos sulinos, o bioma pampa ocupa uma área de 176,5 mil km² (cerca de 2% do território nacional) e é constituído principalmente por vegetação campestre. No Brasil, o pampa está restrito ao Rio Grande do Sul, ocupando 63% do território gaúcho, além de porções dos territórios de Argentina e Uruguai. O termo, de origem indígena, significa “região plana”.
Apesar de sua importância, o pampa é o bioma brasileiro que tem menos representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc) do Ministério do Meio Ambiente, e compõe apenas 0,4% da área protegida no país.