Por Marcelo Dutra da Silva
Professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
A corajosa ativista ambiental Carola Rackete ousou desobedecer e sua determinação e bravura a tornou modelo para uma geração inteira. No comando do navio humanitário Sea-Watch 3, em junho de 2019, encontrou um bote flutuando em alto-mar, no Mediterrâneo, lotado de pessoas que fugiam da violência na Líbia. Carola não teve dúvida, ignorou as ordens e desobedeceu. Em vez de devolvê-las ao país de origem, como exigia a guarda costeira, ofereceu abrigo e as acolheu a bordo.
Seguiu viagem e, ao tentar aportar na ilha de Lampedusa, no litoral italiano, foi impedida pelo Ministério do Interior. Aguardou por duas semanas por providências e ouviu todo tipo de promessa, até que, diante da saúde debilitada dos passageiros, temendo por suas vidas, ignorou a proibição. Desobedeceu outra vez. Em uma manobra arriscada e sem autorização, aportou o navio carregado de almas desesperadas e foi presa.
Carola foi libertada, mas responde a processos. Tornou-se uma heroína de todos os que não querem mais ficar parados diante das necessidades de tantas pessoas.
Nascida na Alemanha (em Preetz, 1988), Carola é formada em Ciências Náuticas, com mestrado em Gestão Ambiental. Esteve a bordo de navios famosos como os alemães Meteor e Polarstern, o quebra-gelo Arctic Sunrise, do Greenpeace, e o British Antarctic Survey. Faz parte do movimento Extinction Rebellion, que luta contra o colapso dos ecossistemas e do clima da Terra. E, desde 2016, participa de missões humanitárias. Ela compreendeu que estamos em guerra. A crise climática é global, e somos todos vítimas da inércia. Falta ação, e no seu livro É Hora de Agir ela faz esse chamado.
Conta-nos porque atua de forma incondicional pela humanidade, pela justiça e pela preservação da natureza, já que as pessoas também fogem de seus países por causa dos efeitos da crise climática. Nos chama para agir agora, no presente, não no futuro, para preservar a vida no planeta. Afinal, não há dúvidas quanto às mudanças: elas estão aí e 99% dos cientistas concordam que somos os verdadeiros culpados.
De imediato, é preciso barrar o superaquecimento e apostarmos em políticas públicas inovadoras, que nos movam para impedir a destruição dos ecossistemas, o degelo e a elevação dos oceanos, a disputa injusta por recursos, por territórios e o risco de surgirem novas pragas e epidemias, enquanto florestas são destruídas. Carola aponta um futuro climático difícil e defende a construção de uma sociedade mais justa e preparada para as mudanças. E, também, maior participação das ciências sociais no debate da crise climática. “Enquanto encararmos a natureza como uma mercadoria e usarmos uma linguagem tecnocrática para falar de fenômenos naturais, não nos libertaremos desse mecanismo destrutivo.”
A crise climática, antes de tudo, é uma crise humanitária. Caminhamos para o colapso e precisamos dizer que esse não é o futuro que queremos para os nossos filhos e netos. “Em vez de perdermos tempo repetindo fatos científicos o tempo todo para refutar as mentiras de quem nega as mudanças climáticas, deveríamos nos concentrar em impedir a catástrofe”: achei isso fantástico.
Concordo com Carola quando diz que vivemos em ambivalência, entre o desejo de viver da maneira habitual e a inclinação de querer ser parte da solução. Que não devemos discutir quantos anos ainda temos para agir ou qual a cota de dióxido de carbono que ainda nos resta, pois isso só nos autoriza a empurrar o tema para mais adiante. E é verdade. Enquanto nós, os cientistas das ciências naturais, nos mantemos ocupados em projetar cenários, esquecemos do agora e do quanto importa o comportamento humano.
Em resumo, o futuro depende do que estamos fazendo hoje, neste exato momento. Vamos agir, já!