Como seria a nossa vida se o Brasil não tivesse mar? Será que os portugueses seriam nossos descobridores? Teríamos romances de Jorge Amado? Existiria a Bossa Nova e sua garota mais famosa, a de Ipanema?
Foi com esses questionamentos que o professor titular no Departamento de Oceanografia Biológica do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) Frederico Brandini provocou a plateia durante o Conexão Oceano, realizado no Rio de Janeiro, na terça-feira (3). O evento, promovido pela Fundação Grupo Boticário, Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da Unesco, Unesco Brasil e Museu do Amanhã, debateu a importância das águas para a vida terrestre nas mais diferentes áreas e deu a largada na Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica, ou simplesmente Década do Oceano.
Estabelecido pela Organização da Nações Unidas (ONU) em dezembro de 2017, o período que compreende 2021 a 2030 tem como objetivo fomentar a pesquisa sobre o tema e mais: pretende, por meio da ciência, apoiar e desenvolver ações de preservação e conservação dos oceanos.
Embora tenham respostas que parecem óbvias, as perguntas que abrem esse texto são um mero exemplo de que a questão "mares" não se limita às visitas à praia nas férias. O assunto abrange nossa cultura, economia, política , história.
E mais: em um país continental como o nosso, a área costeira, com extensão superior aos 7 mil quilômetros, abriga cerca de 70 milhões de pessoas. Mas apesar de fazer parte do nosso cotidiano, pouco sabemos sobre os oceanos. Estima-se que conheçamos apenas 5% dos seus mistérios e as pesquisas sobre o tema são escassas. De acordo com o Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica, os gastos com estudos sobre o assunto somam entre 0,04% a 4% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento no mundo. E como diz o mantra repetido pela maior parte dos palestrantes do evento, é preciso conhecer para preservar.
— O Ensino Fundamental negligencia os estudos do oceano. Precisamos destacar a importância de ser um país costeiro — falou Brandini.
Conforme o pesquisador, ao contrário do que acontece no Exterior, raras vezes ele flagrou estudantes brasileiros na orla coletando materiais e realizando pesquisas de campo, o que é fundamental para desenvolver conhecimento e criar vínculos com o oceano.
Surfista e empresário, Rico de Souza também bateu na tecla da educação como a chave para a mudança de comportamento.
— A escola é o berço de tudo e ela deveria ter esse vínculo com o ambiente. Hoje, é raro uma criança gostar de estudar porque é chato. Precisamos bolar uma nova educação — disse.
10 anos para mudar
Ao propor a Década do Oceano, a ONU tem como meta dar embasamento científico para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, que é parte dos 17 objetivos para transformar o mundo lançados em 2015. O ODS 14 trata essencialmente da preservação dos oceanos, mas como a questão das águas é muito mais abrangente, ele acaba impactando em diversos outros ODS. Para tanto, a Década deseja traduzir a pesquisa para o plano prático.
A italiana Francesca Santoro, especialista do Programa Ocean Literacy (Conhecendo os Oceanos) da Unesco, explica que a ideia é criar uma ciência inclusiva e transformadora, ou seja, que engaje a população global e mude a forma como as pessoas veem as águas.
— A ciência é a base, mas não é o suficiente. Queremos conhecimento para ser transformado em ação. Queremos que as pessoas sejam embaixadoras do tema para que possamos ter, ao fim da década, um oceano seguro, limpo, previsível, produtivo e transparente — defendeu Francesca.
Alexander Turra, professor e cátedra Unesco para Sustentabilidade dos Oceanos, do Instituto Oceanográfico e Instituto de Estudos Avançados da USP, sugeriu que, mais do que pensar somente na questão oceano, ampliemos o olhar da Década como a chance de viver em um planeta melhor.
_ Se a gente quiser um mundo melhor, vamos ter de trabalhar dia a dia. Dos mares, nada menos que o melhor — brincou.
Vinicius Lindoso, oficial de Comunicações da COI da Unesco, finalizou:
— O objetivo da Década é potencializar a conexão de cada um com o oceano. Pode ser pelo trabalho, pela religiosidade, pela inspiração etc.
Por que devemos nos preocupar?
- Maior parte do Planeta Terra é água
- A diversidade de espécies nos oceanos pode superar os milhões
- Oceanos nos conectam a outros continentes
- São fonte de renda e movimentam a economia
- Regulam a temperatura terrestre e nos fornecem oxigênio
- Fornecem alimentação para uma grande parte da população mundial
*A repórter viajou para o evento a convite da Fundação Grupo Boticário