Quando meteorologistas dizem que uma massa de ar frio encontrará uma de ar quente é, praticamente, certeza de chuva. Agora, acrescente a esse contexto o fator aquecimento global, que altera as condições de circulação das massas de ar, e o fato de que a temperatura da atmosfera terrestre subiu um grau em relação ao que tínhamos 100 anos atrás — chegando a 15°C. Com isso, a tendência é de que as chuvas e outros fenômenos naturais tenham seus efeitos intensificados, como aponta a pesquisa "Composição isotópica da molécula de água precipitada em eventos meteorológicos normais e extremos no Brasil".
O estudo foi realizado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera, coordenado pela Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS) em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Universidade de Brasília (UnB). O tema da pesquisa foi mostrado neste domingo (12) em uma reportagem sobre o derretimento da Antártica, exibida no programa Fantástico, da TV Globo.
A ideia de investigar as tempestades intensas no país surgiu de uma inquietação de Francisco Aquino, professor do Departamento de Geografia da UFRGS, climatologista e um dos líderes da pesquisa. Após o temporal que atingiu Porto Alegre em 29 de janeiro de 2016 — que derrubou milhares de árvores e deixou um prejuízo de R$ 40 milhões —, ele decidiu investigar a fundo o episódio.
— A velocidade do vento e a rapidez do fenômeno me levam a crer que aquela não tinha sido uma tempestade normal. Foram quilômetros de destruição em poucos minutos — diz Aquino que se refere ao fato de o vento ter alcançado os 119,5 km/h, segundo registros da estação de medição do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), no Jardim Botânico, e ter durado, aproximadamente, 40 minutos.
Para investigar a origem da forte precipitação, foi necessário analisar a água da chuva. Ela foi coletada e preservada em um tanque especial para que não entrasse no processo de evaporação e, assim, tivesse sua estrutura molecular original preservada. Depois, em sua versão gasosa, essas gotículas foram atravessadas por um feixe de raio infravermelho que realizou a leitura de concentração de Oxigênio-16 e de Oxigênio-18 da água (estes indicativos ajudam a decifrar de onde a umidade da chuva partiu). Nas amostras desse estudo, foi identificado que as chuvas e eventos extremos que afetam o Sul do Brasil são causados por massas de ar originárias da Amazônia, do Atlântico Sul e também — aí vem a novidade — do Mar de Weddell, na Antártica.
— Ele é bem mais frio do que a região de onde geralmente vêm as frentes frias que chegam ao Brasil. Em função do aquecimento global, a circulação atmosférica foi afetada, e ares que não acessavam a nossa região, agora, chegam aqui. Como consequência, este ar mais frio encontra o ar do continente, que está mais aquecido, e o resultado desta junção são tempestades mais intensas, porque o contraste entre essas duas frentes é muito alto — explica.
Efeitos de causa e consequência
A queima de combustível fóssil, o desmatamento, as queimadas provocadas pelos seres humanos, o atual padrão de consumo da sociedade e a geração excessiva de lixo são alguns dos fatores apontados por Aquino entre as causas do aquecimento global. Como consequência, estão a perda da biodiversidade, a extinção de animais e o aumento da temperatura global.
A região Sul do Brasil está na rota destes efeitos, afirma Aquino.
— Dentro deste contexto de mudança climática global, o efeito mais direto no Sul do país é uma intensificação dos contrastes, já que estamos entre a zona de influência da região Antártica e da região Amazônica. O Rio Grande do Sul sempre teve as quatro estações do ano bem definidas, mas, nos próximos anos, devemos enfrentar a intensificação tanto do calor quanto das chuvas e da seca — alerta o pesquisador.
O Rio Grande do Sul sempre teve as quatro estações do ano bem definidas, mas, nos próximos anos, devemos enfrentar a intensificação tanto do calor quanto das chuvas e da seca.
FRANCISCO AQUINO
Professor do Departamento de Geografia da UFRGS
Ele diz ainda que a Bacia do Rio da Prata — que se estende por Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Argentina — é, naturalmente, formadora de tempestades severas. Com o aumento da temperatura do planeta, essa condição é potencializada.
Só em 2016, o Rio Grande do Sul teve R$ 1,5 bilhão de prejuízo em função das chuvas, segundo dados da Defesa Civil do Estado. Para o professor do Departamento de Geografia da UFRGS, a realização de levantamentos como esse, sobre as condições climáticas, auxiliam gestores e empresários a planejarem melhor seus respectivos investimentos em infraestrutura. Além disso, servem para minimizar o impacto de desastres naturais.
— Com esse tipo de trabalho em mãos, é possível colocar em prática o aparelhamento da Defesa Civil. E o mais importante é que a gente assuma uma agenda que vise a diminuição desses impactos negativos, com investimento em energia solar, outros tipos de modais, correta separação e coleta de lixo, por exemplo. Essas medidas trazem qualidade de vida para as pessoas e freiam a intensificação de fenômenos severos.