— Se no começo do ano você me dissesse que estaríamos lidando com isso, eu teria chamado você de louco — declarou Steve Manos, prefeito de Lake Elsinore, uma pequena cidade no sul da Califórnia, nos Estados Unidos.
Ele estava fazendo uma breve trégua no meio da maior crise com a qual já teve de lidar no curto período em que assumiu o cargo: uma explosão das perfeitas papoulas da Califórnia nas Montanhas Temescal, a noroeste do centro da cidade.
— Nos 32 anos em que vivo aqui, nunca vi um florescimento de papoulas como este em Lake Elsinore. As flores estão especialmente vibrantes, são numerosas e cobrem toda a montanha — descreveu.
O problema, para o prefeito, não são as próprias papoulas cor de laranja flamejante, que floresceram na primavera após fortes chuvas de inverno que ocorreram na sequência de um período prolongado de seca, mas, sim, os fãs fanáticos e seus smartphones que apareceram aos montes em março, trazendo com eles um trânsito horrível e comportamentos, às vezes, desagradáveis, como andar fora da trilha para posar para fotos, pisar ou até mesmo arrancar as flores.
Na primeira semana de março, quando os botões começaram a florescer, "havia alguns influenciadores digitais aqui que decidiram tirar vantagem do lindo cenário. Vimos aumentar exponencialmente o interesse pelo local e, do nada, apareceram muitos e muitos visitantes", recordou Manos. Para ser mais preciso, esse número chegou a 100 mil durante o fim de semana do dia de São Patrício.
— Nunca tivemos 50 mil ou 100 mil visitantes nesta cidade de uma só vez. A cidade não está divulgando isso. Não é um evento e, por isso, é realmente muito difícil se planejar para algo nesse sentido — completou Manos.
Talvez ninguém tenha um plano melhor do que Jaci Marie Smith, uma influenciadora digital de 24 anos, moradora de Los Angeles, com mais de 400 mil seguidores no Instagram. Em uma postagem feita em 1º de março, ela aparece aninhada entre flores de papoula vestindo um macacão todo laranja com botões, um chapéu de abas largas na cabeça e uma única papoula laranja na boca. Cerca de 60 mil pessoas curtiram a postagem e, em 5 de março, ela incluiu mais posts com as flores – dessa vez, segurando um buquê delas – para promover uma marca de unhas postiças ("7,99 dólares na Ulta, CVS, Walgreens, Walmart, Rite Aid, ou pelo site impressmanicure.com!").
A primeira foto de Smith com as papoulas trazia a seguinte legenda: "Você nunca vai influenciar o mundo se tentar copiá-lo". Mesmo assim, quanto mais pessoas faziam esse tipo de foto e veículos internacionais de notícias acompanhavam a história, elas acabaram por influenciar o mundo.
Em três semanas, tantas pessoas foram levadas a fazer fotos nas montanhas floridas que a cidade precisou achar uma maneira de intervir. Após uma autoridade local ter sido atingida por um carro e um visitante ter sido mordido por uma cascavel, a cidade fechou o acesso ao Walker Canyon, o principal ponto para iniciar a trilha, a partir das vias mais próximas, e estabeleceu um serviço de traslado ao custo de US$ 5 (cerca de R$ 19) para trazer visitantes a partir de centros de compras da região. Contudo, as multidões encontraram outros lugares para estacionar e caminhar, e a cidade não possuía os recursos humanos para fazer cumprir o fechamento do local.
— As pessoas aparecem com vestidos de noiva ou com as melhoras roupas que têm para ocasiões especiais. Na maioria das vezes, não se importam, simplesmente param o carro e descem — relatou Sharron Tolbert, que vive a três quilômetros do início da trilha, referindo-se às barreiras colocadas para diminuir o trânsito de influenciadores.
A cidade acabou por renunciar ao controle, anunciando no Facebook: "Desta vez, não está sendo possível mantermos os visitantes afastados do #WalkerCanyon".
Foi então que começaram as repercussões negativas online. Inspirada por Smith, Gulin Cetin compartilhou um post com as papoulas no Instagram em 5 de março entre seus 49 mil seguidores (ela vestia um chapéu semelhante e um vestido xadrez de algodão transpassado que combinava com as montanhas e as flores). Mas após a revista "Los Angeles" ter incluído a foto de Cetin em uma postagem que condenava os estragos causados pelos influenciadores que não respeitavam as trilhas e arrancavam as flores, o post dela começou a receber uma enxurrada de comentários negativos. "Pare de estragar as flores com suas fotos egoístas", escreveu um seguidor. Hashtags como #Horribleperson (#Pessoahorrível) começaram a pipocar em comentários ou em qualquer foto marcada na região de Lake Elsinore em que alguém parecia estar maltratando as papoulas.
"Basicamente, todo influenciador começou a virar alvo disso. Se você não coloca uma retratação, eles atacam você; se coloca, também atacam", afirmou Cetin, que incluiu uma nota em um dos posts no Instagram para indicar que tinha respeitado a trilha todo o tempo.
A raiva, entretanto, é também bastante significativa entre os residentes locais – e não necessariamente por estarem preocupados com o bem-estar das flores.
— Não me importo em ir vê-las porque sou muito alérgica — confessou Tolbert.
Ela está mais preocupada em passar três horas no trânsito da autoestrada apenas para conseguir chegar em casa depois do trabalho.
— Literalmente, caí no choro dois dias seguidos, não aguentava mais — lembrou.
O impacto geral da "superflorada" sobre a economia ainda não foi determinado. No restaurante Jack's BBQ Shack, a diretora de recursos humanos, Leslie Lloyd, disse que o local teve o melhor desempenho "para um fim de semana em cinco anos graças às papoulas". Costelas estavam sendo vendidas antes das 11h. Mas, para comércios que precisam se locomover pela cidade, como a empresa de encanamento Darrell Brown, na cidade próxima de Murrieta, na Califórnia, o #PoppyApocalypse (#ApocalipsedasPapoulas) é muito mais catastrófico.
— Alertei nossa central para que não enviasse equipes para cá — disse ele sobre Lake Elsinore, após escutar sobre o terrível trânsito na região. — Perdemos entre US$ 5 mil e US$ 8 mil em apenas um sábado.
Outros locais que estão esperando expressivas floradas de tipos selvagens neste ano, como o Parque Nacional Joshua Tree, são atrações que recebem visitantes o ano inteiro e contam com centros de turistas e amplo espaço para estacionamento.
O mesmo vale para o Parque Estadual Anza-Borrego e para a Reserva de Papoulas Antelope Valley da Califórnia, onde outras "superflores" estão desabrochando. O Walker Canyon, por outro lado, não tem banheiros permanentes nem onde comprar água.
— Desta vez, realmente não estamos tentando achar uma maneira de lucrar com o evento de nenhuma maneira — anunciou o prefeito.
Ocasionalmente, um food truck estaciona perto do começo da trilha, que fica a uma curta distância do viaduto sobre a autoestrada. O trânsito intenso bloqueia as rampas de acesso e é possível sentir o desespero entre os carros presos no congestionamento – o tipo de ansiedade que vemos no pior trânsito de Los Angeles ou nos estacionamentos de festivais de música, mas ainda mais imprevisível. Em uma quarta-feira recente, a situação para estacionar na Rodovia Walker Canyon era brutal – os motoristas simplesmente paravam no meio da estrada quando viam alguém saindo da trilha que poderia liberar uma vaga.
Esse raro espetáculo parece valer a pena para muitos visitantes. A última grande "superflorada" em Lake Elsinore, e talvez a primeira da era Instagram, foi em 2017, graças a outro inverno de chuvas abundantes. O inverno mais seco do ano passado impediu o desabrochar das flores. No entanto, preparou o terreno para a explosão deste ano, pois o inverno mais seco matou algumas das plantas não nativas que concorrem com as papoulas. Estas, porém, talvez não consigam enfrentar uma espécie mais invasiva: o influenciador digital que chega perto demais.
— As papoulas morrem rapidamente quando pisadas — esclareceu Jean Rhyne, analista dos parques estaduais da Califórnia. — Mesmo quando as pessoas andam entre elas, as raízes são destruídas, criando trilhas paralelas entre as flores e incentivando mais pisadas destrutivas.
Cetin, cujo Instagram foi invadido por comentários de ódio, disse ter usado o Photoshop em seus posts para dar a sensação de que havia mais flores. "Fomos até lá, mas levamos nossas próprias flores, justamente para não arrancar as papoulas", argumentou.
Outros influenciadores também fizeram questão de declarar suas intenções respeitosas. Jacob Fu, um blogueiro de viagens, declarou: "Quando estivemos lá, sempre nos preocupamos em permanecer na trilha e em ser muito responsáveis com as fotos tiradas." Em uma postagem no Instagram que mostra sua esposa, Esther JuLee, rodeada pelas papoulas, ele dá uma dica a quem ainda sonha com uma foto entre as flores: "Há muitas trilhas de terra para andar. Se você fotografar de um ponto bem baixo ou muito distante, você consegue dar a impressão de estar rodeado pelas flores."
Por Zak Stone