Pescadores de arrasto, um tipo de pesca que passa a rede pelo fundo do mar, trouxeram à tona uma descoberta palentológica na costa sul de Santa Catarina. Resgataram, sem querer, um pedaço da mandíbula de um mastodonte – espécie de elefante, coberto de pelos, que viveu na América do Sul durante a Era do Gelo e está extinto há 11 mil anos.
A identificação foi feita pelo pesquisador Jules Soto, curador do Museu Oceanográfico da Univali. Segundo ele, é a primeira vez que essa espécie de fóssil é encontrada no Estado, o que comprova que esses animais viveram por aqui.
— É um grande achado. Não só por causa da espécie, mas por ser um lado da mandíbula quase inteiro. Isso é muito difícil de achar. Temos mais de 100 fósseis similares na coleção, vindos do Sul do Rio Grande do Sul, e nenhum deles está inteiro. Essa é uma peça enorme, que impressiona — explica o pesquisador.
O fóssil estava a 23 metros de profundidade, na costa de Sombrio, no sul catarinense. Ao se depararem com a ossada, os pescadores procuraram o professor achando que tinham localizado restos de dinossauro ou de alguma baleia. Soto teve que reunir as peças em um trabalho minucioso após o fóssil cair do barco e quebrar.
Local abriga outros fósseis
Com a mandíbula havia algumas vértebras: uma de preguiça-gigante (Lestodonte) e outra de uma espécie parecida com um hipopótamo (Toxodonte), o que indica que o ponto localizado pelos pescadores é um "sítio fossilífero", local onde estão reunidos diversos fósseis. Isso ocorre, segundo Soto, porque as correntes marítimas acabam reunindo esse tipo de objeto em determinados locais. De acordo com o pesquisador, é possível que haja mais fósseis na área. No entanto, as condições de mergulho em mar aberto não são adequadas e dificultam uma expedição na costa.
Esses fósseis estão no fundo do mar porque há 30 mil anos, idade estimada dos achados, a costa catarinense ficava bem mais distante do que é hoje. O clima era muito diferente, e as temperaturas no Estado eram similares às da Patagônia, com gelo e muito frio.
— Os animais andavam em pradarias que hoje são fundo de mar. Eram descampados, onde havia elefantes, zebras, camelos, tatus gigantes, todos animais da Era do Gelo — diz o pesquisador.
Fósseis do mastodonte Stegomastodon waringi — nome científico do elefante pré-histórico encontrado por aqui — já haviam sido localizados nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, em Minas Gerais e no Sul do Rio Grande do Sul. Na Era do Gelo, os animais já dividiam espaço com os primeiros seres humanos que habitaram a América do Sul. Há fósseis que comprovam, inclusive, que eram caçados e serviam de alimento.Um fóssil de elefante descoberto na Cordilheira dos Andes, por exemplo, indica que ele foi parcialmente assado de baixo para cima. Um gigantesco"churrasco" pré-histórico.
Animal seria um macho adulto
Quando pensamos nos elefantes pré-históricos, o primeiro que nos vem à mente é o mamute, um gigante eternizado na animação A Era do Gelo. Mas o Stegomastodon waringi – o mastodonte catarinense – era bem menor do que ele. Tinha cerca de cinco metros de comprimento, 2,5 metros de altura e pesava 3,5 toneladas. Um tamanho similar ao dos elefantes que vivem hoje na África e na Ásia.
As características do fóssil levaram o pesquisador Jules Soto a concluir que o mastodonte era um macho adulto. O tamanho da mandíbula é grande demais para ser de uma fêmea, não há dentes de leite e a dentição traseira está gasta, o que indica que já não era jovem.
O próximo passo para o fóssil catarinense será a descrição em publicações científicas e a apresentação em congressos de paleontologia. Depois, a intenção é criar em Santa Catarina um museu paleontológico, que receberá esses e outros fósseis da coleção do Instituto Cultural Soto.