O incêndio que consome a Estação Ecológica do Taim, no sul do Estado, entre Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, desde que um raio atingiu a região na segunda-feira (12), pode estar próximo de se tornar o maior dos últimos 30 anos. Mais de 2,5 mil hectares já haviam sido queimados até a manhã de quarta-feira (14). Nesta quinta (15), a chefe da Estação, Ana Carolina Canary, calculava que a área queimada poderia ter ultrapassado os 5,6 mil hectares queimados em 2013, até então o maior desastre na reserva.
— A nossa última atualização (de satélite) é de quarta de manhã. Acredito que já chegou perto ou pode ter passado (do maior incêndio anterior) — relata Ana Carolina.
Nesta quinta-feira, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela área, não atualizou o mapa do incêndio. A justificativa foi que o dia nublado atrapalhou a captação de imagens por satélite.
Criada em 1986, a Esec Taim iniciou com cerca de 11 mil hectares. Em 2017, a área foi ampliada para 33 mil hectares entre a Lagoa Mirim e o Oceano Atlântico. Um dos títulos que o Taim ostenta é o de Área Ramsar, recebido na Convenção de Ramsar, que é um tratado intergovernamental que estabelece marcos para ações nacionais e para a cooperação entre países com o objetivo de promover a conservação e o uso racional de áreas úmidas, especialmente aquelas que são habitat de aves aquáticas, no mundo.
Considerado um santuário das aves, principalmente para as aquáticas, o Taim tem registro de cerca de 250 espécies, sendo que no Rio Grande do Sul inteiro são pouco mais de 600 registros. Professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Leandro Bugoni, que também é diretor de Pesquisa da instituição, relata que o Taim possui uma importância que vai além do que se pode imaginar.
Bugoni cita o exemplo dos gaviões-caramujeiros. O Taim é área de reprodução desta espécie, que se alimenta de moluscos. A equipe de Bugoni, em conjunto com pesquisadores dos Estados Unidos, colocou transmissores por satélite nestas aves que passam pela região. Nos primeiros dias de rastreamento foi possível identificar que um único indivíduo percorreu cinco países: Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia. Dois outros gaviões saíram do Taim e foram até a foz do Rio Amazonas, no Amapá, e retornaram no verão seguinte para se reproduzir no Taim.
— As aves (incluindo as que passam pelo Taim) fazem a conexão destes ambientes em distâncias absurdas, conectando países e regiões distantes — completa o pesquisador.
Até por isso, Bugoni está preocupado com este incêndio, considerado fora de época por quem já viveu outros sinistros na região. O fogo em banhado é relativamente comum porque a área costuma acumular palha, a chamada biomassa, que acaba se tornando "combustível" num período mais seco.
— Estamos no segundo ano La Niña e a consequência para o Sul é pouca chuva. E esta é uma época de reprodução dos bichos, como, por exemplo, das tartarugas de água doce e dos jacarés. E, principalmente, das aves, que se reproduzem na primavera. Então, agora, elas estão com ovos e filhotes. O fogo, simplesmente, vai arrasar. E esta é uma preocupação maior — relata o especialista.
Outra temor do pesquisador, neste momento, é com as aves que fazem os ninhais (as reproduções em colônias) no local, como as garças e os colhereiros, e com os passarinhos que teriam maior dificuldade de fugir da área. Ainda não se sabe para onde estas espécies migraram a partir do início do incêndio.
Pela experiência em incêndios anteriores, a chefe da Esec destaca que a flora do Taim costuma se recuperar muito rápido - cerca de três meses - porque o incêndio atinge a parte superior do banhado - por enquanto, o fogo está no trecho apenas de banhado. Ana Carolina também destaca que nos outros sinistros não se observou animais mortos. No fogo atual, ainda não é impossível dizer se houve perdas.
— Uma diferença deste incêndio para os anteriores é que ele começou na primavera, que é época de ninhos. Os outros ocorreram no final do verão, quando já não havia reprodução em andamento. E isso pode impactar nos filhotes das aves aquáticas. Mas não conseguimos observar porque não conseguimos chegar na área para combater — explica Ana Carolina.
"Habitat recuperado, retorno das espécies que o usam"
Professor e pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), David da Motta Marques, já viu de perto incêndios anteriores no Taim. Nesta quinta-feira (15), em pesquisa na região pela universidade, observou mais um incêndio. Ele relatou à reportagem, via Whatsapp, o que viu:
— O tempo ajudou a expandir a área (do incêndio), em particular o vento. Um fator que ajudou o fogo é o nível de água, que está baixo nesta época do ano. À medida que o fogo se aproxima do extremo sul, o nível de água é maior e deve ajudar a reduzir a quantidade de biomassa queimada.
Marques destaca também que o tecido de crescimento de folhas das macrófitas aquáticas (conhecidas popularmente como marrequinhas) emergentes do banhado foi poupado. Ou seja, elas poderão rebrotar. A palha (Zizaniopsis bonariensis), conforme o pesquisador, é característica deste banhado e tem uma taxa de crescimento rápida.
— Habitat recuperado, retorno das espécies que o usam — lembra Marques.
A região, salienta o pesquisador, forma um habitat particular que permite o estabelecimento de uma gama grande de espécies. O Taim, reforça Marques, tem importância pelos serviços ambientais (naturais) que oferece, armazenamento de carbono, transformação de orgânicos e provimento de habitat para centenas de espécies.
— Os banhados são extremamente importantes não só para a produção de biomassa, mas também para o processamento de materiais orgânicos e nutrientes. Eles têm importância no processamento de princípios ativos usados da agricultura, como na produção de arroz e soja — explica Marques.
Queimadas mais recentes no Taim
- 2013 - 5,6 mil hectares queimados
- 2008 - 4,6 mil hectares queimados
- 1994 - 2 mil hectares queimados