Durante cinco anos, o Ministério Público (MP) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) realizaram 12 fases da Operação Leite Compen$ado, sendo a primeira há exatos 10 anos, no dia 8 de maio de 2013. As ações ocorreram porque transportadores —depois se confirmou que também produtores rurais e donos de indústrias — adulteravam o produto com água e, para não aparecer em análises, colocavam ureia, que contém uma substância cancerígena: formol.
As investigações, que resultaram em 82 prisões e 275 denúncias, com ações em 98 municípios, além de 25 condenações e 18 processos judiciais ainda em andamento, foram consideradas importantes para qualificar a produção do leite e as relações de consumo. Tanto é que, um dos responsáveis, o promotor Mauro Rockenbach, da Promotoria Especializada Criminal de Porto Alegre, afirmou:
Ele atuou junto com o promotor Alcindo Bastos da Silva Filho, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) — Segurança Alimentar. Os dois afirmam que não havia uma organização criminosa. A fraude do leite, pelo que foi levantado, ocorria há pelo menos 30 anos e figurava entre os envolvidos como "algo comum" na busca de lucros cada vez maiores.
Rockenbach ressalta que a denúncia deixou o Estado estarrecido, inclusive a eles, promotores, porque se tratava de um produto na mesa de todo brasileiro, sendo usado rotineiramente para alimentar crianças. Para ajustar o produto, após a adição de água, integrantes da cadeia produtiva — em várias regiões — passaram a adicionar outros produtos químicos. E não era só formol, mas soda cáustica, água oxigenada, entre outros. Para o MP, esse fato também foi determinante para comprovar que não havia um conluio entre investigados que fossem de cidades diferentes.
— Era uma prática comum, mas sem um líder, por exemplo, que comandasse um grupo de fraudadores. Havia sim um conluio e acordos prévios, mas somente entre, por exemplo, transportadores de leite da mesma cidade — diz Silva Filho.
Segundo o promotor, todos os setores da cadeia produtiva, de alguma forma, passaram a adulterar o leite por não ter regras e fiscalização mais eficazes. Se no início eram só os transportadores, com o tempo, até a indústria passou a recuperar o leite que não servia mais para consumo ou que apresentava grandes quantidades de água.
Repressão, legislação e fiscalização
Rockenbach diz que há uma "tríade" consolidada após as investigações realizadas e que impediram a continuidade da cultura criminosa adotada na produção leiteira do Estado. A repressão é um dos três pilares do legado que as operações deixaram. Ainda há processos judiciais em andamento e parte dos suspeitos responsabilizados também teve de repassar R$ 12 milhões que foram revertidos em bens para autoridades que atuam no setor.
O segundo pilar, de acordo com o promotor, é justamente a fiscalização que recebeu estes valores após a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Rockenbach, assim como o promotor Silva Filho, explica que o fiscal passou a ser respeitado e se tornou um "posto avançado" da promotoria no que diz respeito a futuras denúncias. Além disso, houve concursos públicos, desde então, com vagas para fiscalização no Mapa e na Secretaria Estadual da Agricultura.
Essas medidas, somadas à entrada em vigor da Lei do Leite — Lei 14.835 — em 2016, ampliaram a rastreabilidade do produto, o que era considerado um dos principais problemas que facilitavam a fraude. Rockenbach diz que a legislação mais abrangente e eficaz é o terceiro pilar do que ele chama de "tríade" consolidada.
As mudanças propostas aumentaram a responsabilidade de produtores, indústrias e transportadores na questão da qualidade para deixar em segundo plano a quantidade, aumentando o vínculo entre eles.
A chamada Lei do Leite permitiu a inclusão de mais produtores no setor, com cadastros atualizados regularmente, e determinou que todos os locais de transvase, onde o produto passa de um tanque para o outro, sejam previamente definidos e informados à Secretaria da Agricultura. Também foram exigidos treinamento, reconhecido pelo Serviço Oficial de Fiscalização, e uma maior documentação dos transportadores e não só do caminhão, mas dos tanques. Eles também passaram a ser cadastrados pelas autoridades.
Outras medidas foram exigências mais rigorosas de compra e venda do leite dentro da própria cadeia produtiva, prazo máximo de 48 horas entre ordenha das vacas e beneficiamento do produto na indústria e transporte acompanhado de documento específico para isso, indicando fornecedores de origem, volume, destino e finalidade. Por fim, foram estabelecidas multas para todos os membros da cadeia produtiva que venham a desrespeitar a legislação.
Tanto Rockenbach quanto Silva Filho reconhecem que, atualmente, o setor leiteiro é mais confiável porque os fraudadores foram erradicados. Segundo eles, houve uma depuração na cadeia produtiva. Conforme o MP, após 2017, não houve mais denúncias de adulteração do leite com produtos químicos nocivos à saúde, apenas dois fatos envolvendo pequena quantidade de água, que não alterava a composição da matéria-prima.
As 12 fases da Operação Leite Compen$ado
Operação Leite Compen$ado 1 — Maio de 2013 — Para mascarar a adição de água durante o caminho entre o produtor e a indústria, transportadores adicionavam ureia — que contém formol — com o objetivo de obter maior lucro. Cerca de cem toneladas de ureia — apreendidas na ação realizada no Norte, Noroeste e Serra — foram adquiridas pelos envolvidos para utilização na prática criminosa. Autoridades cumpriram 10 mandados de prisão e oito de busca e apreensão.
Operação Leite Compen$ado 2 — Maio de 2013 — Cinco mandados de prisão preventiva foram cumpridos em Rondinha — com três presos — e Boa Vista do Buricá, no Norte, e em Horizontina, no Noroeste, com a prisão de Larri Lauri Jappe, então vereador do PDT e empresário do setor de transporte de leite cru. Foi encontrada até uma fórmula para adulteração do leite em Boa Vista do Buricá.
Operação Leite Compen$ado 3 —Novembro de 2013 — Preso um transportador e detectada a presença de água oxigenada no leite. Ação em Três de Maio, no Noroeste.
Operação Leite Compen$ado 4 — Março de 2014 — Ação em oito cidades com a prisão de um empresário em Condor, no Norte. Com ele, foi apreendida mais de meia tonelada de soda cáustica. Ações em Bossoroca e Vitória das Missões, nas Missões, Santo Augusto, no Norte, Ijuí e Panambi, no Noroeste, Tupanciretã e Capão do Cipó, na Região Central.
Operação Leite Compen$ado 5 — Maio de 2014 — Foram cumpridos três mandados de prisão em 10 cidades do Vale do Taquari e do Vale do Sinos, em especial Imigrante e Paverama, sede das indústrias de laticínios Hollmann e Pavlat. Foram presos os proprietários das duas empresas. Eles foram investigados por dar ordens para adição de soda cáustica, bicarbonato de sódio e água oxigenada no leite. Também houve ações em Teutônia, Arroio do Meio, Encantado, Venâncio Aires, Marques de Souza, Travesseiro, Novo Hamburgo e Cruzeiro do Sul.
Operação Leite Compen$ado 6 — Junho de 2014 — Fraude do leite com ramificação no Paraná e quatro presos. A operação ocorreu nas cidades paranaenses de Londrina e Pato Branco e nos municípios gaúchos de Ijuí, Taquaruçu do Sul, Ibirubá, Campina das Missões, Alegria, Boa Vista do Buricá, Crissiumal, São Valério do Sul, São Martinho, Cruz Alta e Coronel Barros.
Operação Leite Compen$ado 7 — Dezembro de 2014 — Posto de resfriamento é interditado em Jacutinga, no norte gaúcho, e outro fica em regime de fiscalização. Havia adição de sal no leite adulterado com água. Foram cumpridos 17 mandados de prisão e outros 17 de busca e apreensão em seis municípios gaúchos: Erechim, Jacutinga, Maximiliano de Almeida, Gaurama, Viadutos e Machadinho, todos no Norte.
Operação Leite Compen$ado 8 — Maio de 2015 — Oito prisões e produtos químicos apreendidos no norte do Estado. Áudios revelam tentativa de repassar leite com larvas. Suspeitos eram donos de transportadora e motoristas. Havia adição de ureia, álcool e soda cáustica.
Operação Leite Compen$ado 9 — Setembro de 2015 — Leite azedo era vendido como saudável. Houve quatro prisões nos municípios de Esmeralda, na Serra, e Água Santa, no Norte.
Operação Leite Compen$ado 10 — Outubro de 2015 — Donos de fábrica presos por adulteração do leite. A ação ocorreu de forma simultânea com a Operação Queijo Compensado 2. Os municípios onde foram cumpridas ordens judiciais foram Venâncio Aires, Lajeado, Mato Leitão, Arroio do Meio, Montenegro e Carlos Barbosa.
Operação Leite Compen$ado 11 — Julho de 2016 — Resultados positivos para a presença de coliformes fecais, água oxigenada e amido em amostras analisadas. A ação foi junto com a Operação Queijo Compensado 4. Cinco prisões e ações em São Pedro da Serra e Caxias do Sul, na Serra, em Estrela, no Vale do Taquari, além de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
Operação Leite Compen$ado 12 — Março de 2017 — Nova Araçá, na Serra, Casca e Marau, no Norte, Estrela e Travesseiro, no Vale do Taquari. Houve cinco prisões e quatro mandados de busca cumpridos em três laticínios. Áudios dos suspeitos, em tom de deboche, revelaram que carregamentos de leite só poderiam ter como destino a alimentação de animais.
Operações "Queijo Compensado"
Operação Queijo Compensado 1 — Junho de 2015 — Foi encontrado queijo com farinha e feito com leite rejeitado das indústrias. Houve três prisões com ações em Três de Maio, no Noroeste, e Ivoti, no Vale do Sinos.
Operação Queijo Compensado 2 — Outubro de 2015 — Ação foi junto com a Operação Leite Compensado 10 e ocorreu nas seguintes cidades: Lajeado e Arroio do Meio, no Vale do Taquari, Venâncio Aires e Mato Leitão, no Vale do Rio Pardo, Montenegro, no Vale do Caí, e Carlos Barbosa, na Serra. Duas pessoas foram presas.
Operação Queijo Compensado 3 — Junho de 2016 — Empresários recolocavam no mercado queijos estragados, mofados e com data de validade vencida, contendo, inclusive, coliformes fecais. Ações em Porto Alegre e outras seis cidades da Região Metropolitana, Norte, Noroeste e Serra. Houve sete prisões.
Operação Queijo Compensado 4 — Julho de 2016 — Resultados positivos para a presença de coliformes fecais, água oxigenada e amido. A ação foi junto com a Operação Leite Compensado 11. Cinco prisões e ações em São Pedro da Serra e Caxias do Sul, na Serra, em Estrela, no Vale do Taquari, além de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
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