A ganância dos fraudadores parece não ter fim no Rio Grande do Sul. Mesmo após seis fases da Operação Leite Compen$ado, que desde o ano passado já levou 20 pessoas à cadeia, uma nova adulteração foi descoberta e é alvo de mais uma operação do Ministério Público Estadual (MPE), na manhã desta quarta-feira, no norte do Estado.
Estão sendo cumpridos 17 mandados de prisão e outros 17 de busca e apreensão em seis municípios gaúchos - Erechim, Jacutinga, Maximiliano de Almeida, Gaurama, Viadutos e Machadinho. Até as 11h, sete pessoas estavam detidas e duas, foragidas.
Conforme o MPE, estão envolvidos criadores, transportadores, responsáveis por postos de resfriamento, laboratoristas e motoristas de caminhões. Segundo o promotor Mauro Rockenbach, responsável pelas investigações na esfera criminal, a fraude desta vez consistia na adição de água para ganhar em volume e de sal para disfarçar a diluição.
- A fraude era para ganhar em volume e diminuía o valor nutricional do leite - explicou Rockenbach.
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Em regra, era adicionado ao leite mais 10% do volume equivalente em água. Em alguns casos, porém, a proporção chegava a 40%. Ainda não há informação de quais marcas teriam recebido o produto adulterado e para onde esses lotes teriam sido encaminhados.
O esquema, segundo o MPE, teria início com produtores de Viadutos, Machadinho e Maximiliano de Almeida, que colocavam água no alimento. Depois, o leite seria coletado pela empresa Transportes Rafinha, que tem como sócios Walter Roberto Krukowski e Paulo César Bernstein. A dupla também seria responsável por dirigir os caminhões, assim como os funcionários da empresa Divonir Longo Rambo, Sidmar Ribeiro Rodrigues, Indionei Eliezer de Souza, Genoir Roque Hojnowski, Paulo César Ruhmke e Matheus Alberto Burggraf. O ganho com a fraude seria dividido entre produtores, empresários e motoristas.
Na etapa seguinte, o leite chegaria nos postos de resfriamento Rempel & Coghetto Ltda, em Jacutinga, e em outro da Cooperativa Tritícola Erechim Ltda (Cotrel), em Erechim. Segundo o MP, o proprietário do posto de Jacutinga, Amauri Rempel, fazia parte do esquema, assim como as laboratoristas Andresa Segatt e Elizete Marli Bessegato. Arino Adalberto Adami, responsável pelo poço de resfriamento da Cotrel, e Angelo Antonio Paraboni Filho, diretor da Cotrel, também faziam parte do esquema.
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Por causa da suspeita de terem recebido o produto adulterado sem informar ao Ministério da Agricultura (Mapa), os responsáveis pelas empresas tiveram as prisões preventivas decretadas. O papel das laboratoristas era alterar ou omitir dados nas planilhas de análise do leite depois levadas ao Mapa. Mesmo assim, 62 laudos do ministério detectaram a adulteração.
Contrapontos
Andresa Segatt e Elizete Marli Bessegato, dos postos de resfriamento Rempel & Coghetto Ltda
O advogado das laboratoristas Andresa Segatt e Elizete Marli Bessegato, Ramiro Kunze, disse que as duas desconhecem as acusações. Andresa alega ainda que não trabalha na empresa há um mês.
Aurora Alimentos
Por meio de nota divulgada pela assessoria de imprensa, a Aurora Alimentos afirmou que condena e repudia a adulteração de leite fornecido para processamento industrial ou diretamente para consumo humano conforme constatado pela investigação. A empresa ainda disse que assegura aos clientes e consumidores que não industrializou leite adulterado porque realiza testes laboratoriais de qualidade em toda matéria-prima láctea apresentada pelos seus fornecedores. Devido às conclusões do Ministério Público, a empresa decidiu suspender o recebimento de leite da cooperativa filiada Cotrel até que sejam apuradas todas as responsabilidades civis e criminais e convocou uma reunião extraordinária das indústrias lácteas juntamente com entidades do setor, Ministério da Agricultura e Secretaria de Agricultura para analisar a questão e adotar medidas que incorporem toda a cadeia produtiva na busca de instrumentos que evitem a prática de delitos.
BRF
Em nota, a BRF esclareceu que cancelou o contrato com o posto de resfriamento da Rempel & Coghetto, situado em Jacutinga, e que entrará com as medidas judiciais cabíveis contra o fornecedor. A empresa ainda afirmou que irá apoiar o Ministério Público na apuração de responsabilidade pela fraude de todas as partes envolvidas e que, como medida preventiva, suspendeu a compra da carga das transportadoras envolvidas na denúncia até que a questão seja esclarecida. A BRF ainda disse que o problema ocorrido não oferece qualquer risco para a saúde e que reitera seu compromisso com o consumidor.
Cotrel
"Estamos nos inteirando dos fatos. A cooperativa entende que vem cumprindo a legislação e fazendo todos os testes e análises necessários. Vamos analisar as provas que estiverem nos autos".
Nasser Khalaf, advogado da Cotrel
Cootall
O diretor-presidente da Cooperativa Taquarense de Laticínios (Cootall), Claudio Gonzaga, afirmou que a empresa está se inteirando do caso e que nesta quinta-feira deve divulgar uma nota oficial.
HE Indústria e Comércio de Laticínios
O diretor da HE Laticínios Edson Desconsi afirmou que a empresa adquire o leite resfriado da Cotrel há anos e se disse surpreso com o envolvimento do posto de resfriamento na suposta fraude do leite. Desconsi reitera que a empresa realiza controle rígido de qualidade por meio de exames exigidos e ainda de outros adicionais quanto a possíveis fraudes e que, até então, não havia sido detectada adulteração. O diretor afirma que a HE seguirá comprando o leite da Cotral por crer se tratar de um posto que garante a segurança alimentar. Ele ainda acrescentou que uma carga da Cotrel saída do Rio Grande do Sul em 24 de novembro foi condenada pelo laboratório da indústria devido à acidez e prontamente descartada.
Kerlac
O diretor da Kerlac, Erikson Wiggers, disse que a empresa realiza todas as análises requisitadas e que não foram constatadas irregularidades na carga comprada do posto de resfriamento referido. Wiggers ainda acrescentou que todos os boletins de análise estão armazenados na empresa e à disposição do Ministério da Agricultura.
Nestlé
Em nota, a Nestlé informou que garante a qualidade de todos os produtos que fabrica devido a rigoroso controle de qualidade aplicado a todas as matérias-primas utilizadas na fabricação. Em relação ao leite fresco que adquire, a Nestlé ainda afirma que se vale de rigorosas análises laboratoriais e que realiza diretamente nos seus postos de coleta de leite. Segundo a Nestlé, qualquer irregularidade na matéria-prima fornecida acarreta a imediata rejeição e devolução. Assim, a companhia assegura que todos os ingredientes utilizados na fabricação de seus produtos possuem alto nível de qualidade.
Zero Hora está tentando contato com outras empresas envolvidas na operação.
Entenda como funcionava a fraude:
Sete fases da Operação Leite Compen$ado
Desde maio do ano passado, 37 pessoas foram presas e 43 denunciadas por adulteração de produto alimentício.
Sete pessoas foram condenadas nas comarcas de Ibirubá e Horizontina, com penas que variam entre dois e 18 anos de prisão em regime fechado. Veja quem são os condenados:
João Cristiano Pranke Marx, 18 anos e 6 meses de reclusão (regime fechado)
Daniel Riet Villanova, 11 anos e 7 meses de reclusão (regime fechado)
Larri Lauri Jappe, 10 anos (regime fechado)
Angélica Caponi Marx, 9 anos e 7 meses de reclusão (regime fechado)
João Irio Marx, 9 anos e 7 meses de reclusão (regime fechado)
Alexandre Caponi, 9 anos, 3 meses e 12 dias de reclusão (regime fechado)
Paulo César Chiesa, 2 anos e 1 mês de reclusão (regime semiaberto)
As ações civis coletivas de consumo contra as pessoas físicas e jurídicas envolvidas na fraude já contabilizam 117 bens indisponibilizados, sendo 90 veículos e 27 imóveis, avaliados em aproximadamente R$ 10 milhões.
* Zero Hora