A imprudência vem pegando carona em um número cada vez maior de veículos no Rio Grande do Sul. A quantidade de multas aplicadas pelo descumprimento do uso obrigatório do cinto de segurança disparou 88% em cinco anos e consolidou uma tendência de descaso crescente com o equipamento no Estado. A comparação inclui apenas o período de janeiro a julho.
As autuações atingiram, em 2023, o patamar mais elevado em levantamento feito pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RS) com informações desde 2010. Especialistas ressaltam que o desprezo por esse item de segurança multiplica o risco de morte em acidentes.
De acordo com os dados tabulados pelo Detran a pedido de GZH, foram aplicadas 100,9 mil multas por esse motivo nos primeiros sete meses de 2023, contra 53,6 mil no mesmo intervalo de 2018.
Os dados sugerem uma displicência progressiva de condutores e passageiros em relação ao uso do dispositivo: os últimos três anos registraram os níveis mais elevados de infrações pelo artigo 167 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) de todo o período analisado (veja os números completos no infográfico mais abaixo). Em relação ao ano passado, o salto foi de 21%.
— Percebemos que houve um relaxamento em relação à disciplina para o uso do cinto, principalmente após a pandemia, que teve vários impactos no trânsito, como aumento de acidentes e de mortes, que inclusive levaram a um reforço na fiscalização para reverter esse quadro — afirma o diretor-geral do Detran/RS, Mauro Caobelli.
O aumento da fiscalização nos últimos meses pode ajudar a explicar o salto no patamar de infrações verificado neste ano, mas as estatísticas comprovam que a tendência de elevação não começou agora. Teve início em 2019 e se intensificou em 2021, quando o país passou pelo pico da pandemia de coronavírus, com um avanço de 31%. As autuações se reduziram um pouco no ano seguinte, mas voltaram a acelerar agora.
O fenômeno fez o Detran lançar recentemente uma campanha de conscientização sobre a importância do uso do cinto no banco traseiro. A estatística oficial não especifica a posição no veículo de quem deixa de usar o equipamento, mas o cenário visto em blitze de fiscalização e em acidentes graves levou o departamento a adotar esse enfoque.
— Com base em fiscalizações feitas pela Balada Segura e em conversas com a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre), por exemplo, notamos que o cinto vem sendo utilizado no banco dianteiro, mas muitas vezes isso não ocorre no banco de trás — complementa Caobelli.
Estudos comprovam eficácia do equipamento
Estudos e avaliações de especialistas em medicina de tráfego atestam que o simples uso adequado do cinto de segurança pode fazer a diferença entre a vida e a morte em caso de um acidente de trânsito.
Os números variam conforme os critérios utilizados em cada pesquisa, mas todos indicam que o dispositivo funciona. Um relatório divulgado em junho do ano passado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, aponta que a adoção do cinto reduz entre 45% e 50% a probabilidade de ferimentos mortais entre ocupantes dos bancos dianteiros, e em pelo menos 25% entre quem está no banco traseiro. Outros trabalhos indicam percentuais ainda maiores, como um trabalho realizado pela autoridade nacional de trânsito dos EUA que apurou um índice de 43% para quem viaja atrás.
— Não usar o cinto no banco traseiro aumenta em cinco vezes, ainda, o risco de quem está na frente morrer em caso de sinistro. Isso ocorre porque, quando há uma colisão, pelas leis da física, quem está atrás continua em movimento e atinge quem está na frente. Com a velocidade, que aumenta a massa, mesmo uma criança de 15 quilos acaba sendo projetada como se tivesse o peso de um pequeno elefante — afirma o presidente da seção gaúcha e vice-presidente nacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Ricardo Hegele.
O relatório sobre segurança viária da OMS aponta ainda que o uso de dispositivos de segurança para crianças, como bebê conforto, cadeirinha ou assento de elevação, diminui em 60% o risco de morte. Segundo o diretor-geral do Detran/RS, durante uma ação de conscientização realizada na última Expointer, em Esteio, muitos pais revelaram desconhecimento sobre o uso correto desse tipo de equipamento.
— Levamos uma cadeirinha para o nosso estande, durante o evento, e chamou atenção o desconhecimento dos pais sobre o uso correto dela — conta Caobelli.
Desculpas mais comuns de quem não usa cinto (e por que estão erradas)
Estas são as razões mais frequentes de quem é flagrado sem o cinto conforme avaliação do Detran/RS
- "Sinto mais segurança no banco de trás" - Sensação é falsa, já que o risco de morte é multiplicado em caso de acidente sem cinto.
- "Confio no motorista" - Acidentes podem ocorrer por vários motivos, incluindo motoristas imprudentes em outros veículos.
- "O trajeto é curto" - Acidentes graves podem ocorrer em percursos de qualquer extensão.
- "Sinto desconforto, principalmente no banco de trás" - Cinto é um equipamento obrigatório, e o nível de conforto é o mesmo em qualquer posição do veículo.
- "Não sabia que era obrigatório no banco traseiro" - Uso do cinto é obrigatório em qualquer posição do veículo conforme o Código de Trânsito Brasileiro.
O que diz o Código de Trânsito
Artigo 167 — Deixar, o condutor ou passageiro, de usar o cinto de segurança, conforme previsto no artigo 65.
Infração: grave (cinco pontos na CNH).
Penalidade: multa (R$ 195,23).
Regras para levar crianças no carro
Acima de 10 anos
Podem andar no banco traseiro ou da frente, sempre com cinto.
Até 10 anos
Devem andar no banco traseiro, utilizando equipamento de segurança adequado ao perfil. Veja abaixo:
- Até um ano ou peso até 13 kg, conforme limite do fabricante: bebê conforto.
- De um a quatro anos ou peso de 9kg a 18kg, conforme limite previsto pelo fabricante: cadeirinha.
- De quatro a sete anos e meio ou de até 1,45m e peso entre 15kg e 36kg, conforme limite estabelecido pelo fabricante: assento de elevação.
- De sete anos e meio a 10 anos, ou mais de 1,45m: cinto de segurança no banco traseiro.
Exceções: as obrigatoriedades para crianças até sete anos e meio não se aplicam em alguns casos como transporte coletivo de passageiros, táxis ou aplicativos (durante a efetiva prestação do serviço), veículos escolares e outros com peso bruto total superior a 3,5 toneladas.