– Fiscalização para salvar vidas.
É assim que a diretora institucional do Detran-RS, Diza Gonzaga, define a operação Balada Segura. A ação, lançada em 2011 pelo governo do Estado como uma política pública, começa a mostrar resultados. O principal indicador: o número de mortes, que apresentou queda de 29,1% em uma década em território gaúcho. Completando 10 anos, o programa cresceu e tornou-se importante ferramenta de conscientização aos motoristas.
Os dados obtidos pela reportagem de GZH com o Detran-RS indicam que, apesar da frota de veículos no Estado ter subido 41%, o número de vítimas no trânsito registrou queda expressiva em uma década. Em 2011, foram 2.038 mortes em ruas, avenidas e estradas gaúchas. Em 2020, foram 1.462 (-29,1%).
Outro indicador que chama atenção das autoridades em uma década é a vertiginosa queda nas mortes no trânsito de Porto Alegre. No ano de início da operação Balada Segura, em 2011, a capital gaúcha computou 154 vítimas, contra 69 em 2020, 55,2% a menos.
Fatores como fiscalização integrada, educação e a consolidação do transporte por aplicativos são apontados como os principais fatores das reduções. E a operação Balada Segura é citada como a grande chave da mudança dos números no Estado. As barreiras, que começaram em fevereiro de 2011, uniformizaram e agilizaram protocolos, tornando-se ferramenta de fiscalização de trânsito e segurança pública. Em 10 anos, mais de 65 mil motoristas tiveram a carteira de habilitação recolhida, 50,4 mil carros foram apreendidos, e mais de 60 mil pessoas foram flagradas por embriaguez ao volante. Desses, quase três mil acabaram presos.
O início da operação
Com os olhares da ONU voltados para o trânsito, o Brasil também mirou o problema. Um Plano Nacional de Segurança Viária foi criado, e o Rio Grande do Sul seguiu a tendência, com proposta de agregar e mobilizar órgãos públicos.
Assim, em fevereiro de 2011, a Operação Balada Segura foi lançada para pôr em prática novas linhas de ação propostas pelo Detran-RS, em acordo com o Comitê Estadual de Mobilização pela Segurança no Trânsito.
Na primeira fase, as blitze de fiscalização e educação eram realizadas apenas em zonas boêmias de Porto Alegre. Mas as autoridades perceberam que tinham algo importante nas mãos, e melhoraram os protocolos.
– A primeira Balada Segura foi ali na Cidade Baixa. Fizemos uma fiscalização naquela região, que é muito boêmia. De cara, a gente percebeu que precisava melhorar o processo. Fomos ao Rio de Janeiro para saber como funcionava a operação Lei Seca, que era nossa referência no combate à alcoolemia no trânsito. O balão, a estética visual, as tendas, isso tudo foi incorporado aqui pelo Estado – lembra o coronel Ordeli Savedra Gomes, que em 2011 atuava no gabinete do então vice-governador do Estado, Beto Grill, e é lembrado como um dos responsáveis por estruturar a Balada Segura.
As ações sempre foram coordenadas pelo Detran-RS. Mas uma integrante de um ente não governamental participou de todas as discussões de educação no trânsito para a implementação do Balada Segura: Diza Gonzaga, criadora da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, conhecida como Vida Urgente.
A entidade foi criada em 1996, um ano após perder o filho Thiago em acidente de trânsito, e Diza sempre foi uma voz atuante no debate. No final da década de 1990 e no início dos anos 2000, o Vida Urgente fez inúmeras ações de conscientização sobre os riscos do consumo de álcool no trânsito, as chamadas "Madrugadas Vivas".
– A questão do álcool e direção já vem de muito tempo, era socialmente aceita. A frase que a gente mais ouvia nas ações era "eu até dirijo melhor quando bebo". Achávamos até que não veríamos em vida essa mudança de comportamento, mas ninguém mais tem orgulho de dizer que bebe e dirige melhor – afirma Diza, que tem experiência de duas décadas e meia atuando na educação e conscientização e, em 2019, assumiu o cargo de diretora institucional do Detran-RS.
Outro membro importante no início das ações de fiscalização foi o ex-diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) de Porto Alegre Vanderlei Cappelari. Ele relembra que havia necessidade de transformar a ação em algo visível e capaz de chamar atenção dos motoristas.
– Sabíamos da importância que Porto Alegre tinha nesse contexto, e queríamos fazer uma operação organizada, planejada e com apoio da sociedade. Isso seria importante para mudar a cultura e reduzir a violência no trânsito. Por isso, havia preocupação muito grande em implementar a Balada Segura de forma conjunta com os demais órgãos para dar o exemplo – destaca.
Em 2012, foi instituída pela Assembleia Legislativa a lei 13.963, que transforma a Balada Segura em item essencial, com os objetivos "fiscalizatórias, tendo como objetivo específico a verificação da observância às disposições do Código de Trânsito Brasileiro, em especial o combate à alcoolemia no trânsito", e educativos, "tendo como objetivo específico a sensibilização quanto à segurança no trânsito por meio da abordagem de condutores, pedestres e demais cidadãos".
Ações integradas e punições
A preocupação das autoridades de trânsito fez diferença. Com o passar dos anos, a Balada Segura desenvolveu-se e começou a ser organizada em outras cidades. Uma década depois, 35 municípios possuem, periodicamente, ações com a bandeira do projeto, com estimativa de atingir até 70% da população gaúcha.
Nas rodovias federais gaúchas, a fiscalização do Detran-RS conta com o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), desde 2012 integrando as operações.
– A PRF possui ações próprias de enfrentamento à alcoolemia e à embriaguez ao volante, mas, muitas vezes, precisa desenvolver uma ação mais ordenada, com espectro maior. E há uma troca muito grande de informações entre os órgãos, com indicações de locais onde a gente tem maiores problemas, não só na Região Metropolitana, mas principalmente no Interior – diz Luís Carlos Reischak Júnior, superintendente da PRF no Rio Grande do Sul.
A Brigada Militar (BM) também participa de ações nas rodovias. Além de garantir segurança aos agentes de fiscalização e aos motoristas durante as abordagens, as ações geralmente terminam com resultados positivos em termos de segurança pública. Conforme o major Alessandro Augusto Bernardes dos Santos, chefe da 3º Seção do Estado Maior da BM, responsável pela integração em operações, frequentemente as abordagens terminam com prisões e apreensões.
– Nossa ação é de apoio. Mas é comum que os agentes encontrem materiais ilícitos e nos chamem. Quase sempre tem alguma coisa: um foragido, armas e drogas. E isso é importante porque torna-se uma ação de segurança pública também – ponderou.
Os flagrantes, habitualmente, são encaminhados à Polícia Civil. E muitas vezes delegados e agentes também integram as abordagens, e podem efetuar uma prisão quando há crime de trânsito. Com a implementação da Lei 12.760/2012, tornou-se dispensável a submissão de um suspeito a exames de alcoolemia. Com isso, as autoridades admitem a comprovação da embriaguez do condutor por vídeo, testemunhos ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
– Quando se recusa o bafômetro, torna-se uma infração administrativa. Mas quando se recusa o bafômetro, mas há sinais visíveis de embriaguez, isso vai para um processo criminal – diz o delegado Carlo Burarelli, da Delegacia de Crimes de Trânsito (DCT).
Na sequência, os processos são encaminhados ao Ministério Público, responsável por oferecer, ou não, denúncia contra pessoas detidas por crimes de trânsito. De acordo com a promotora Ana Cristina Cusin Petrucci, o trabalho integrado na obtenção de provas facilita as ações do judiciário, porque o material é sempre consistente o suficiente para que haja denúncia e até condenação. A promotora destaca que a suspensão do direito de dirigir é o principal meio de educação.
– Isso é, com certeza, uma das coisas que mais educa. Muitas infrações no trânsito são administrativas, mas dirigir com carteira cassada é crime. O infrator acaba preso em flagrante. A partir daí, chega para nós. Em alguns casos, a legislação permite outras alternativas à pena de prisão. É possível acordo. Nós usamos muito no Judiciário as penas de prestação de serviços à comunidade cumuladas com suspensão do direito de dirigir. Sem dúvida, perder a carteira educa – pondera.
No final do ano passado, os agentes de fiscalização de trânsito utilizaram, em período de testes, câmeras acopladas aos uniformes durante as barreiras. Conforme as autoridades, a medida visa a garantir maior segurança da equipe que atua nas operações e até encaminhar as filmagens ao poder judiciário, para que o material possa ser utilizado para aumentar a prova e dispensar a oitiva das partes. Estuda-se implementar o equipamento em 2021.
– Isso vai ser uma prova importantíssima no Poder Judiciário. Conseguiremos uma imagem para mostrar como eles saíram do carro. Essa imagem para ser utilizada judicialmente e preservar a segurança daqueles que participam da ação, para mostrar a transparência – diz Ana Cristina.
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Dados do consumo de álcool entre jovens e preocupação em interiorizar a operação
Em 10 anos, mais de 12 mil fiscalizações foram executadas, num total de 760 mil veículos abordados, educando e punindo motoristas. No período, os dados do Detran-RS mostram uma preocupação com um tímido aumento do consumo de álcool entre motoristas jovens, entre 20 e 25 anos: passando de 3% para 10% do total de recusas ao bafômetro, autuações por testes ou ainda crimes de trânsito (dados de 2011 a 2020).
Já entre pessoas de 25 e 29 anos, esse número teve uma redução considerada positiva, passando de 35%, em 2011, para 21%, em 2020. Também houve sensível queda no quadro de pessoas que bebem e dirigem na faixa entre 40 e 50 anos, passando de 14% para 10% em 10 anos.
Diza Gonzaga pondera que, pelos dados, há pontos a serem comemorados, mas destaca que há muito trabalho pela frente. Em Porto Alegre, as autoridades entendem que os resultados são melhores, mas há uma preocupação grande em apertar o cerco aos maus motoristas no Interior.
– No Interior, ainda temos mais resistência. É por isso que alguns indicadores não se alteram tanto. Mas há um novo público. A cultura do beber e dirigir, ninguém mais acha bonito. Muitas vezes tínhamos resistência até de prefeitos, que não eram simpáticos à fiscalização. Hoje, já está mudando. E o principal: as vidas que perdemos no trânsito são em número cada vez menor.
O superintendente da PRF, Luís Carlos Reischak Júnior, pondera que há preocupação grande por parte das autoridades nas rodovias do Interior, especialmente em regiões com cidades muito próximas. Conforme ele, os motoristas têm comportamento diferente, já que, frequentemente, fazem deslocamento entre uma cidade e outra para participar de festas e celebrações.
– Temos uma atenção mais voltada a cidades menores, porque o motorista se desloca entre uma e outra. São, muitas vezes, os casos mais graves em termos de acidente, principalmente de madrugada, onde a rodovia está com seu leito livre. É muito fácil imprimir uma velocidade, e sob efeito de álcool o condutor nem percebe – destaca Reischak.
As autoridades informaram ainda que há necessidade de aumentar o número de fiscalizações integradas em mais cidades do interior, mas não há detalhes sobre novas medidas a serem adotadas.
Tecnologia dos apps, psicologia e exemplo em casa
Os aplicativos de transporte transformaram-se em aliados no combate à violência no trânsito. Levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) realizada pelo DataFolha com apoio da Uber em 2019 aponta que, em Porto Alegre, 84% dos entrevistados deixaram de utilizar carro próprio para utilizar apps de transporte quando bebem - a média nacional é de 68%. As autoridades entendem que, a facilidade na solicitação do carro e o valor mais baixo que os até então cobrados pelos táxis, auxiliaram na mudança do comportamento.
Para o gerente de políticas públicas da 99 App, Rodrigo Ferreira, os aplicativos também podem contribuir de outra forma:
– É possível auxiliar na discussão, já que, com nossas plataformas, conseguimos ver locais surgindo como novos points. E isso é público e pode ser usado pelas autoridades. É a forma que temos para ajudar. E com certeza isso altera até mesmo o planejamento das pessoas, que deixam o carro em casa e optam por plataformas como a 99 – diz Ferreira.
Os especialistas entendem que existem diversas formas de mudar o comportamento de um motorista. No caso de Diovani Faccin, 36 anos, demorou para que ele percebesse os riscos de beber e dirigir. Em 2015, ele participou de um campeonato de futebol com os amigos. Após conquistar o título, o grupo passou em um bar para celebrar.
– Eu bebi duas garrafas. Peguei o carro e saí em direção ao Iguatemi, onde morava, e onde tinha uma Balada Segura, na Nilo Peçanha. Fui parado. Perdi minha carteira e tomei aquele baque da multa altíssima. Ali eu já vi que tinha feito a coisa errada – comenta ele.
Mas foi amor que o fez mudar completamente de comportamento. Pouco depois de ficar sem habilitação, Diovani conheceu a esposa. Nos primeiros dias de interação, ele entendeu os riscos e as consequências do consumo de álcool ao volante.
– Naquela época, conheci minha esposa. E ela me contou que fazia pouco tempo que ela havia sofrido um acidente, em que um senhor alcoolizado bateu no carro dela. Ela foi para o hospital, teve braço quebrado, colocou pino e até hoje tem dificuldade em fazer alguns movimentos na academia. Eu já tinha sentido o peso de ser punido. Mas ainda não tinha virado a chave até conhecer a história da minha esposa. Hoje, uso aplicativo quando quero sair e sei que vou consumir bebida – destacou.
A psicóloga Aurinez Rospide Schmitz, que atua no Instituto de Psicologia do Trânsito Ande Bem, e lida diretamente com motoristas de trânsito, diz que é importante que os motoristas deixem de enxergar as fiscalizações como uma ação meramente positiva. O principal viés para a mudança de comportamento, na visão dela, é unir a fiscalização com a capacidade de conscientizar os condutores.
– As pessoas não podem entender a fiscalização como algo punitivo. Nós achamos importante que a pessoa entenda que essa punição tem que dar o start para uma reflexão sobre o seu próprio comportamento, que o coloca em risco e coloca outros em risco. A lei, por si só, nem sempre vai mudar o comportamento. Isso só ocorre quando ela entende a situação que ela se coloca e coloca os outros – diz.