Os processos envolvendo motoristas que se recusaram a realizar o teste do bafômetro estão suspensos no Judiciário gaúcho desde 28 de fevereiro. O motivo é a divergência na interpretação de um artigo do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que ocorre entre as Turmas Recursais da Fazenda Pública.
O artigo é o 165-A, que define punição para os motoristas que recusam se submeter ao teste do bafômetro ou outros procedimentos. A medida, que entrou em vigor em novembro de 2016, iguala a punição dada aos condutores comprovadamente flagrados sob efeito de álcool e outras drogas.
Entre os juristas, existe uma divergência sobre a constitucionalidade do texto e também sobre o procedimento adotado pelos agentes de trânsito na autuação dos motoristas.
A presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Andreia Scheffer das Neves, entende que, pela redação do artigo, a autuação pela recusa só deveria ocorrer quando o agente identifica a embriaguez por outra forma e apresenta o bafômetro como uma oportunidade de contraprova. Na maioria dos casos, os agentes autuam os condutores unicamente por se recusarem a realizar o teste.
— Aparentemente, tu estás sob influência de álcool. Queres fazer o teste para confirmar? "Não, eu não quero". Então, essa pessoa, sem entrar no mérito se concordo ou não, estaria sujeita à autuação pelo artigo 165-A — exemplifica.
O Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS) afirma que cumpre a legislação vigente e autua os motoristas unicamente pela recusa, conforme o artigo. Andreia, conduto, ainda questiona a validade do texto, pois a Constituição Federal define que ninguém é obrigado a produzir provas contra si.
— Divide opiniões dentro da própria advocacia. Na minha opinião técnica, como advogada, não é constitucional. A lei diz que tu não és obrigado, mas te pune se tu não realizas (o teste). Em uma interpretação lógica, tu estás sendo obrigado — explicou.
Como essa divergência estava ocorrendo até mesmo entre os juízes, com interpretações diferentes tanto no procedimento quanto na constitucionalidade, uma advogada decidiu entrar com pedido de uniformização de jurisprudência. Isso é, que as turmas recursais decidam pelo entendimento da maioria e adotem o mesmo procedimento em todos os casos.
Esse pedido foi aceito pelo relator do processo, o desembargador João Barcelos de Souza Júnior. Para evitar novos entendimentos diferentes, ele também decidiu suspender todos os processos do 1º e 2º graus até que exista uma decisão uniforme, o que não há prazo para ocorrer.
"É forçoso reconhecer que existe divergência entre elas quanto à validade das autuações de trânsito lavradas com fundamento no art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro nos casos em que há somente a recusa do condutor em se submeter ao teste do etilômetro", escreveu na decisão.
Advogados defendem a uniformização
Atuando há dois anos em processos de trânsito, a advogada Fernanda Pancowski diz que, além de gerar insegurança jurídica, a situação causa constrangimento com os clientes.
— Esse é o maior problema que tenho. Passar para o cliente que ele depende da sorte para ter o processo dessa infração ou não. Para uma pessoa leiga, entender isso acaba sendo muito complicado. Deixei de pegar muitos casos porque as pessoas não entendiam que dependia da sorte — diz.
A advogada Andreia Scheffer das Neves tem a mesma opinião.
— Quando o cidadão procura um advogado, procura o Judiciário, ele procura uma resposta. Ele espera que seja para perder ou ganhar, que alguém diga se ele tem ou não direito. É uma insegurança jurídica tão grande que a gente não consegue dar uma previsibilidade.
Processos em duas turmas
GaúchaZH acessou dois processos semelhantes, mas julgados em turmas diferentes. A primeira e a terceira turmas recursais entendem que a recusa é passível de punição.
"Adoto posicionamento majoritário da atual composição desta Turma Recursal, em que fico vencida, no sentido de que a infração capitulada no art. 165-A é autônoma, configurada tão somente pela recusa em se submeter aos procedimentos do art. 277 do CTB, ou seja, instrumental e formal, tratando-se de infração de mera conduta", escreveu a juíza Lilian Cristiane Siman em uma decisão.
Já na segunda turma, o juiz Volnei dos Santos Coelho entendeu que o artigo fere a presunção da inocência e, portanto, é inconstitucional.
"O artigo 165-A é flagrantemente inconstitucional, pois liquida com a presunção de inocência. O motorista visivelmente alcoolizado que o agente de trânsito indica tais sinais e comprova com testemunhas ou até mesmo com mídia, necessita demonstrar através de teste que não está sob influência de álcool punível."