Pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sofia Sebben é a primeira estudante brasileira a receber o Prêmio Anual de Financiamento de Pesquisa de Tese. A premiação é promovida pela Sociedade de Pesquisa sobre Desenvolvimento Infantil (Society for Research in Child Development), dos Estados Unidos. O resultado foi divulgado no dia 19 de setembro.
Sofia tem 28 anos e é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS, sendo que construiu toda sua trajetória acadêmica na instituição de ensino. A psicóloga gaúcha foi a única brasileira entre as vencedoras do 16º prêmio da entidade norte-americana, com seu projeto de pesquisa "Função reflexiva dos pais, desenvolvimento socioemocional da criança e uso de telas na primeira infância".
A pesquisa será contemplada com investimento de US$ 2 mil, a serem aplicados em despesas para a conclusão da tese, tais como a compra de licenças de plataformas e softwares e consultorias de estatística. A pesquisadora se considera especialista em uso de telas e tem se debruçado sobre esse tema nos últimos anos, no âmbito científico e também em postagens nas redes sociais, alertando pacientes sobre a importância do assunto.
Sob orientação da professora da UFRGS Giana Bitencourt Frizzo e coorientação de Caroline Fitzpatrick, do Canadá, Sofia investiga o desenvolvimento socioemocional da criança, fatores parentais e o uso de telas. Na entrevista a seguir, Sofia detalha suas constatações e comenta sobre as discussões acerca do uso de celular nas escolas, assunto que vem dividindo opiniões.
Confira a entrevista com a pesquisadora Sofia Sebben
Como se sentiu ao ser contemplada por esta premiação e qual a importância dessa conquista?
É uma satisfação muito grande. Fiquei com o sentimento de que valeu a pena, este trabalho que preparei com tanto cuidado, e que lá fora minha pesquisa também está sendo vista como um projeto com potencial. Fico emocionada de fazer parte deste marco histórico e espero que possa abrir portas para esse tipo de financiamento à pesquisa brasileira.
Qual é o foco da sua pesquisa de doutorado?
Pretendo expandir minha pesquisa de mestrado, abordando não só a relação mãe-criança, mas também o conceito de reflexividade parental e regulação emocional da criança. Porque constatamos que o tempo que a criança passa em frente às telas não explica muita coisa, pesquisas de alto rigor científico demonstram que isso é uma pequena parcela nesse grande universo que é o uso de telas. É um fenômeno muito complexo, difícil de ser explicado por um só fator. Precisamos investigar fatores dentro da família e das próprias escolas, como é uso de telas nas escolas por parte das crianças. Pretendo expandir pesquisas que já estão em andamento, e isso é inovador porque tem fatores ainda não explorados no contexto brasileiro. Com isso, queremos também fomentar políticas públicas, agregando dados e evidências, para que seja desenvolvido um uso consciente das telas.
O que te motivou a investigar esse tema?
Sou da geração Z. Eu nasci quando a gente estava vivendo esse boom da internet. Vivi na pele a importância dos meus pais terem tido cautela nesse uso de telas, na vivência digital. Ao longo da graduação em Psicologia eu sempre fui em inclinando para essa área, e me senti intrigada para entender por que algumas crianças desenvolvem problemas ao longo do desenvolvimento e outras não, e a relação das telas com isso.
O que você constatou, até então?
Fomos descobrindo que o uso de telas, por si só, não é ruim. Colocar a tela como algo inerentemente ruim é alarmista. O uso que a gente faz pode ser ruim, as telas não são ruins. Algumas pessoas ficam surpresas e comparam com cigarro, como se fosse dizer que o cigarro tem benefícios. Mas não, o cigarro é inerentemente ruim. As telas não. Pesquisadores encontraram que o uso de telas pode ser prejudicial, mas alguns tipos de uso podem ser inclusive positivos para o desenvolvimento da criança, pesquisas com videogames, por exemplo, que podem contribuir para desenvolver o conhecimento. Não podemos demonizar as telas. No mestrado, constatamos que algumas crianças são mais suscetíveis a um uso excessivo, com mais tempo de tela, e isso está relacionado a questões de saúde mental, inclusive depressão.
Como seria um uso consciente das telas por parte das crianças e adolescentes? Um uso mais equilibrado do celular, por exemplo?
Temos que pensar em como os pais lidam com isso. Não adianta dar um celular para a criança e achar que ela vai saber utilizar de forma equilibrada. Nós, como adultos, temos que educar as crianças sobre o uso saudável das telas. Elas ficam expostas a muitos riscos, como as bets, golpes financeiros, predadores sexuais, conteúdo pornográfico. Mas, muitas vezes, as crianças têm acesso a esses riscos porque os pais não mediam esse uso. Proibir o celular não é a solução, mas simplesmente largar o dispositivo na mão da criança também não. Equilíbrio é a chave. Vai depender da dinâmica de cada família.
Como alcançar esse equilíbrio?
É importante observar o comportamento das crianças. Se a criança é mais responsável, se ela está indo bem na escola, se está bem emocionalmente, brinca com colegas e dorme bem, será que é justo e válido puni-la, não dando acesso às telas? Por outro lado, tem crianças que passam muito tempo diante da tela. Estão sempre irritadas, são violentas, brigam com os colegas, não dormem bem, não querem ir para a escola. Isso é um ponto de alerta. Neste caso, será que dar um celular é a melhor solução? Ou seja, não é simplesmente banir ou não banir, tem muitas outras nuances que precisam ser contempladas.
Sobre a possível proibição do celular nas escolas, tema que entrou na pauta do governo federal recentemente, qual é sua visão?
Não temos pesquisas suficientemente conclusivas no Brasil mostrando benefícios ou riscos do uso do celular nas escolas, o que temos de estudos sobre isso é muito fraco. Não se tem pesquisas robustas para poder guiar o que vamos fazer ou deixar de fazer nesse momento. Converso com muitos professores, crianças, pais e jornalistas. O que vemos é que o uso do celular na escola está descompensado. Os professores não sabem mais o que fazer, porque as crianças estão usando muito o celular na escola, especialmente as redes sociais, que são viciantes. Mas me parece que banir só por banir não vai resolver. É tampar o sol com a peneira. Especialmente quando falamos de adolescentes, que são mais suscetíveis a um uso problemático da mídia, como chamamos. Que é quando eles usam as telas para não lidar com as emoções, para escapar de situações de estresse. Nas redes sociais eles encontram apoio social e conteúdos que os interessam. Por outro lado, eles são os que têm mais tendência a desenvolver depressão, por exemplo. Para além do debate de banir ou não banir, precisamos entender como está a saúde mental desses adolescentes. Será que a tela é a vilã da história ou estamos deixando de olhar para outros problemas que fazem os jovens recorrerem às telas? Costumo dizer que o uso de telas é a ponta do iceberg.