A publicação no X (antigo Twitter) de uma intimação assinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, marcando o empresário Elon Musk, chamou a atenção dos usuários da rede para uma questão: é possível intimar alguém via rede social?
Este é mais um capítulo do confronto entre Moraes e Musk. Em abril, o bilionário publicou no X uma série de mensagens direcionadas a Moraes, alegando censura e ameaçando descumprir decisões do ministro e reativar contas suspensas na rede social. Moraes determinou que a conduta do empresário fosse investigada em inquérito.
Durante a investigação, segundo petição assinada pelo ministro, houve descumprimento de decisões do STF e tentativas de “evitar a regular intimação da decisão proferida nos autos (...), com o fim de frustrar o seu cumprimento”. A reação de Musk foi anunciar, em postagem em 17 de agosto, o fechamento do escritório do X no Brasil. Na noite desta quarta-feira (28), a conta oficial do STF respondeu ao post, marcando o empresário, com uma foto da intimação, que determina que, se não houver resposta em 24 horas, ocorra a imediata suspensão das atividades da rede social no país, até que as ordens judiciais sejam cumpridas e as multas quitadas.
Juliano Madalena, professor de Direito Digital da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), destaca que as regras de natureza processual estão submetidas ao princípio da legalidade e da ordem pública, e que, quando se fala em intimação ou citação de alguém em uma ação, as regras de comunicação de atos processuais devem estar previstas em lei, pois sua importância para as pessoas e para a sociedade é muito grande.
— Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão de comunicação de ato processual por rede social ou plataformas dessa natureza. Inclusive, temos decisões no STJ (Superior Tribunal de Justiça) no sentido contrário, afirmando que não é possível esse tipo de comunicação, em razão da insegurança jurídica que gera esse tipo de ato — pontua o jurista.
A insegurança jurídica está presente, por exemplo, na impossibilidade de confirmar o recebimento da intimação através de uma rede social e na falta de um local adequado, nesses sites, para armazenar esse tipo de informação, segundo Madalena. O professor considera, ainda, que a medida do STF abre margem para que outras intimações aconteçam por meio de redes sociais, em outras situações.
Por outro lado, no entendimento do advogado Fabiano Machado da Rosa, especialista em temas como fake news e ataques digitais e sócio da PMR Advocacia, o fato é que a finalidade da intimação, que é cumprir com o ato de comunicação do processo, foi cumprido, ainda que de uma forma inovadora:
— Em um processo, temos duas formas de falar com as partes: a citação, quando o réu é informado da existência de um processo, e a intimação, quando duas partes são informadas dos atos do processo, como decisões, despachos e pedidos de provas. O X desativou o seu time operacional no Brasil e, nisso, fica clara uma manobra para dificultar o cumprimento das decisões, que se dão a partir da intimação da ordem.
Para o advogado, no fundo, a intimação nada mais é do que um ato de comunicação, cujo requisito é ter certeza de que se está informando a pessoa certa. Na falta de um representante legal no Brasil, se a comunicação foi feita para o X e o X respondeu, em tese, a comunicação ocorreu. O debate é se esse ato, realizado por um meio ainda sem previsão legal, é válido ou não.
— Tem correntes que dirão que a intimação é legal e outras que não. Mas, no fundo, o STF está respondendo a uma provocação do X e dizendo que a plataforma digital de rede social que funcionar no Brasil precisará respeitar as leis brasileiras, como todas as empresas respeitam. Se uma rádio ou um jornal não cumprisse uma ordem judicial, seria penalizada. A mensagem é que não há espaço para o descumprimento judicial, seja por quem for — sinaliza o advogado.
Na visão de Rosa, é preciso cuidado para não se perder em uma “cortina de fumaça”, pois não há censura nesse caso, e sim uma defesa ao funcionamento da justiça brasileira.
Criminal ou cível?
Outro ponto destacado por Vitor Paczek, advogado criminalista e doutor em Ciências Criminais, é que há dúvidas sobre o caso se trata de uma investigação criminal ou cível – se for cível, na sua percepção, é questionável que esteja sendo tratada por Moraes; já se for criminal, não faria sentido aplicar o regramento do Marco Civil da Internet, que prevê suspensão temporária das atividades de plataformas que não respeitarem a legislação brasileira e o sigilo das comunicações privadas e dos registros.
Sobre a intimação por rede social, Paczek lembra que há previsões na lei, referentes a processos eletrônicos, que admitem citações com menos formalidade, por exemplo, por WhatsApp, ou ligação telefônica. Ao mesmo tempo, lhe chama a atenção o prazo de 24 horas concedido para a nomeação de um representante legal.
— É um prazo super exíguo para cumprir: estão presumindo que ele fica no Twitter o dia inteiro, vai ler e vai cumprir. Em casos de urgência legal, para a investigação de eventuais crimes, pode ser concedido um prazo como esse. O que pode estar por trás é um contexto de descumprimento reiterado de ordens que justifique essa excepcionalidade das 24 horas, mas é preciso avaliar os motivos. Normalmente, o Marco Civil da Internet prevê temos de cinco, 10 dias — observa o advogado.
Todos os especialistas concordam que há, sim, a possibilidade de “fechamento” do X no Brasil, com a plataforma saindo do ar, já que, por lei, ela precisaria apontar um representante legal no país. O impasse é quanto à forma de fazer valer a regra – Madalena, por exemplo, considera que o STF poderia lançar mão de uma cooperação internacional a nível processual, como já fez outras vezes, na qual cortes de outras nações façam a intimação.