Raquel Recuero tem 46 anos e cursou a graduação em Jornalismo no final dos anos 1990, um período de ebulição dos meios digitais no qual os olhos voltados para a internet eram simpáticos, ainda sem registro de imagens que apontassem os seus riscos. Com o aumento gradual das possibilidades de compartilhamento de dados e o surgimento de grandes conglomerados que operam no universo virtual, os perigos se tornaram mais evidentes.
Pesquisadora há mais de uma década sobre desinformação, discursos de ódio e outros efeitos da comunicação via redes sociais, a pelotense, que leciona nos cursos de Comunicação Social da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), percebe que tudo mudou: se, antes, a difusão de desinformação se restringia a pequenos grupos, hoje os mecanismos se complexificaram de tal forma que, no entendimento dela, é necessário combater o fenômeno de maneira sistêmica.
Em entrevista a Zero Hora, Raquel indica, entre as soluções, o investimento em educação digital, o fortalecimento do jornalismo, a criação de legislação específica e a elaboração de cartilhas para evitar mentiras em situações emergenciais como a enchente de maio no Rio Grande do Sul.
Seus principais temas e tópicos de estudo são desinformação, discurso de ódio. O que lhe levou a estudar esses assuntos?
Desde que eu estava na graduação em Comunicação, me interessei muito pelos impactos da tecnologia na vida das pessoas. Na época, a gente ainda estava começando a internet. A minha universidade tinha seus primeiros laboratórios e computadores, e eu achava uma coisa muito impressionante, porque as pessoas usavam muito, tinha um impacto no dia a dia, usavam muito para a comunicação, né? Com o tempo, fomos vendo também os impactos negativos, e me chamava a atenção a propagação da violência online, a legitimação dessa violência e o uso da desinformação para confundir, fazer com que as pessoas tomassem decisões erradas e tivessem prejuízo no seu cotidiano. Temos uma mudança fundamental de estrutura da internet. No início, tínhamos muitos pequenos apps, pequenas companhias. Hoje, temos grandes conglomerados e companhias, então, o impacto ficou muito diferente. Antes, a gente usava, sei lá, o IRC, que era um protocolo de comunicação, usava o ICQ, várias pequenas coisas. Hoje, a gente usa o WhatsApp, que é da Meta, o Facebook, que é da Meta, o Instagram, que também é da Meta. Então, temos uma construção muito diferente desse ecossistema e do impacto dele na vida das pessoas. Entender isso, particularmente no contexto do Brasil, é muito importante para mim.
Com o surgimento de grandes empresas que possuem os dados produzidos nas redes sociais, o que mudou?
A quantidade de dados a que essas plataformas têm acesso se tornou um negócio astronômico, porque elas têm acesso a tudo o que tu publica, podem cruzar esses dados entre os vários canais usados, e isso vai ser negociado, que é o grande valor, com terceiros, para propaganda, anúncios, conteúdo direcionado. Isso acaba gerando um contexto em que eu consigo fazer desinformação direcionada. Consigo patrocinar um anúncio, por exemplo, que desinforma especificamente determinado perfil de pessoa que eu sei, porque eu já fiz outros estudos, que é mais propenso a aceitar essa desinformação ou a reproduzi-la. Isso gera desinformação numa escala industrial, o que gera companhias especializadas em espalhar desinformação de todos os tipos.
Já não é um conteúdo falso qualquer, é um conteúdo falso que meu amigo mandou, e meu amigo não ia mentir. O impacto disso é muito maior.
E o conteúdo da desinformação, mudou?
Antes, víamos muito mais conteúdos fabricados daquele tipo que a gente olha e, quem já tem um pouco mais experiência, sabe que é uma mentira, como “tomar chá de gengibre cura covid”. Quem tem um pouquinho de formação científica sabe que isso não é possível. Só que, hoje, temos conteúdos muito mais difíceis de serem detectados, porque alguém vai dizer “a minha opinião é que tomar chá de gengibre cura covid”. Bom, teoricamente eu tenho liberdade de opinião, então, posso dizer o que eu quiser. Só que, repara: isso tem outros efeitos e, ao mesmo tempo, burla o sistema que está moderando a desinformação, porque se entende que opinião não se pode moderar. A gente começa a ter um sistema muito mais complexo, que tem anúncio pago de desinformação, campanha desinformativa e no qual a desinformação vem, inclusive, muitas vezes de autoridades. Então, o impacto na vida das pessoas é muito maior. Antes, a gente ia ter lá um grupo de pessoas que desconfiava de ações de saúde, lá num canal do mIRC fechadinho. Aquilo não se espalhava com a dimensão que se espalha hoje, em que as pessoas estão todas juntas nas mesmas plataformas e é muito fácil espalhar o mesmo conteúdo em vários canais e legitimar esse conteúdo com a participação de outras pessoas. Essa mudança do ecossistema das plataformas vai criar esse outro sistema, que é o sistema desinformativo, e ele vai trabalhar com a lógica das plataformas para a desinformação. Temos uma escala industrial de desinformação muito diferente da que já tivemos no passado, em que tudo é rapidamente legitimado. Já recebemos aquele conteúdo falso com um monte de curtidas, um monte de views, e a gente já fica “pô, mas como assim? Isso aqui parece uma mentira, mas olha só quantas pessoas compartilhando, quantas pessoas dizendo que é verdade”. Isso já me afeta, já não é um conteúdo falso qualquer, é um conteúdo falso que meu amigo mandou, e meu amigo não ia mentir. O impacto disso é muito maior.
No processo de replicação da desinformação, há quem envie mentiras intencionalmente e quem parece fazê-lo quase que de forma ingênua. Quais os processos de elaboração da desinformação?
As plataformas de mídia social precisam das pessoas para espalhar o conteúdo, porque elas não conseguem espalhar sozinhas. Então, temos aquela pessoa que recebeu o conteúdo de um amigo no WhatsApp e achou “poxa, será?” e repassou mesmo sem ter certeza, aquela pessoa que sabe que o conteúdo é falso e está repassando e aquela que integra uma fazenda de cliques. O que é uma fazenda de cliques? São grupos de pessoas pagas por cliques, que ganham um centavo por cada perfil que curtir, cada coisa que compartilhar. Essas pessoas têm vários perfis, que usam para fazer com que um conteúdo bombe, chegue a outras pessoas. Quanto mais gente falando de um assunto, maior a probabilidade de os outros acreditarem. Em Pelotas, em algum momento, durante as enchentes, uma pessoa estava em uma reunião, não entendeu direito o que aconteceu e falou para os amigos no WhatsApp que vinha um tsunami na Lagoa dos Patos de quatro metros de altura, e que ele ia acabar com a cidade. As pessoas entraram em pânico, porque já era uma situação horrível no Estado, ninguém sabia o que ia acontecer. É uma notícia que parece um pouco exagerada, mas o que a pessoa pensa é que, pelo sim pelo não, vai passar para os seus amigos, porque vá que seja verdade. Depois se explicou que era desinformação, que não era isso, que se esperava que viesse mais água, mas não um tsunami. Mas a desinformação se aproveita.
Houve muitas situações como essa durante a enchente?
Durante as enchentes, essa desinformação era super localizada, e isso era gravíssimo. A pessoa estava em casa, as autoridades diziam que tinha que sair e ela recebia lá no WhatsApp “ah, isso aí é uma grande bobagem, o doutor Fulano”, uma pessoa inexistente, “está dizendo que os governos estão tentando prejudicar a economia do Estado, então você não tem que sair de casa”. As pessoas precisavam tomar uma decisão naquele momento, tinha uma autoridade pública dizendo que elas deveriam sair e tinha a desinformação dizendo que ela precisava ficar. É uma coisa que tem dimensões catastróficas. A gente viu como a desinformação foi usada para atingir autoridades, mas também para atingir as decisões das pessoas sobre o que deveriam fazer. São coisas que precisamos combater enquanto Estado, pois isso não é interessante ou produtivo. E isso confunde: a pessoa está recebendo em um grupo, de alguém que recebeu em outro grupo, então as pessoas precisam estar envolvidas nesse espalhamento. Esse espalhamento é projetado para convencer a pessoa.
Qual a gramática da desinformação?
A desinformação tem uma gramática específica para tentar mobilizar a pessoa, porque ela precisa que eu compartilhe para que aquilo chegue em outras pessoas. Então, ela vai usar muita mobilização, “faça”, “compartilhe”, “urgente”. Já vem até com aquele emoji de sirenezinha, pontos de exclamação, letras garrafais. Às vezes, a gente vai ter, ainda, um vídeo ou um áudio. Além de precisar repassar, a mensagem precisa ser legitimada, ou seja, as pessoas precisam acreditar. Para isso, são usadas curtidas, coraçõezinhos, eu vou receber aquilo de vários lugares. E nós somos seres sociais: quando começamos a ver uma informação em muitos lugares, tendemos a acreditar, por mais louca que ela seja. Eu brinco com os meus alunos: imagina que você está na rua caminhando e passa uma pessoa correndo. Aí passam duas, passam três, passam quatro. Em algum momento, a gente vai correr também, porque a gente vai estar convencido que alguma coisa horrível está acontecendo. Esse é o mecanismo que faz com que essa desinformação se espalhe e seja tão impactante, e essas plataformas proporcionam a estrutura perfeita para isso, porque o conteúdo que eu recebo vem de pessoas com quem eu já tenho relação ou conheço. Aqui no Brasil, temos sido muito vítimas da desinformação. O Brasil talvez seja um dos países com menos políticas para trabalhar com isso.
Como conscientizar as pessoas de que, mesmo que haja vantagens em compartilhar dados em aplicativos, também há riscos?
No estágio em que estamos, as pessoas precisam saber como esses mecanismos funcionam. Elas precisam entender que, quando publicam a foto, o nome ou a escola de seus filhos, esses dados estão sendo cedidos. Agora, tivemos uma discussão no Brasil sobre o uso de dados da população brasileira para alimentar a inteligência artificial. A Meta resolveu usar todos os dados que ela tem, de todas as pessoas, especialmente de imagens, para alimentar a construção de uma inteligência artificial. Só que a gente autoriza a Meta a fazer isso quando a gente faz um perfil no Instagram. Mesmo que eu saiba que isso é um risco para mim, eu penso “mas, não vai acontecer nada, sou só eu aqui”. O problema é que, em larga escala, isso é importante, e eu acho que, no estágio em que estamos, é uma questão de soberania digital. O Brasil precisa legislar sobre isso. Já tem legislação nos Estados Unidos que diz que os dados americanos precisam ficar lá. Tem legislação na Europa, na China, em outros lugares. Aqui, não fizemos essa discussão como precisaríamos. Iniciamos um debate, saiu uma decisão de que a Meta fosse proibida de usar os dados brasileiros para alimentar a inteligência artificial e a Meta falou, “tá bem”. Só que como vamos saber se eles estão usando ou não? Não tem como, porque a plataforma é praticamente um país independente, com suas próprias leis e regras, e não está no Brasil. Queremos que essas empresas tenham tanto poder no nosso território, de ditar regras, criar perfis, influenciar a decisão das pessoas, desmonetizar o jornalismo? No Canadá, a legislação obriga as plataformas a monetizar o jornalismo pela circulação de notícias. Quando isso foi pensado no Brasil, as plataformas fizeram anúncios na página adiantada do Google dizendo “Estão querendo tirar a sua liberdade! Contra o PL das Fake News”. No Canadá, elas proibiram o jornalismo de circular. Como elas conseguem proibir a circulação de jornais, mas não conseguem proibir a circulação de discurso de ódio?
A desinformação, muitas vezes, é vinculada à política, muitas vezes à extrema-direita. Como essa vinculação acontece?
Há vários tipos de desinformação. Um deles é o eleitoral. Se aprendeu que a desinformação pode influenciar opiniões e, nisso, temos a desinformação como ferramenta de campanha. O problema da desinformação da extrema-direita foi mais relacionado a uma crise institucional, no sentido de que a desinformação atingia a própria democracia, o que é um pouco diferente de ter uma desinformação contra um candidato ou uma ação política. Mas também tem desinformação na saúde pública, por exemplo. Se olhamos o PNI (Programa Nacional de Imunização), o Brasil tem vacina em tudo que é lugar, tem um programa reconhecido internacionalmente e, por conta da desinformação, teve redução nos índices de vacinação. Temos um estudo sobre o que se falava sobre vacinas nos grupos da internet e, antigamente, aparecia “campanha de vacinação infantil”, “campanha disso”, “campanha daquilo”. Agora, o que mais aparece são pessoas discutindo “vem cá, mas que vacina é essa?”, “mas essa vacina vai mudar o meu DNA?”, “mas essa vacina vai matar o meu filho?”. Eu fico chocada de encontrar desinformação sobre pólio, uma vacina que está no Brasil desde a década de 1980. E aí termina perguntando “você já viu alguém com pólio?”. Evidentemente que não, porque a pólio está erradicada no Brasil porque se vacina as pessoas. Com isso, os índices de vacinação estão caindo absurdamente. Então temos essa desinformação na saúde pública, que é gravíssima, a desinformação eleitoral, que vai muito além das instituições, a desinformação contra empreendedores. Durante as enchentes, vimos muito esse tipo de desinformação, falando mal de instituições que estavam doando, dizendo que era mentira. As autoridades públicas tinham que vir na internet, no meio do caos, para dizer “gente, isso é desinformação, as doações estão chegando”. É um fenômeno global: não está só nas eleições, não está só na questão eleitoral, é muito mais amplo e tem aspectos quase tão graves quanto os ataques à democracia.
A desinformação, hoje, é um fenômeno sistêmico: envolve muitas coisas e, com isso, não temos só uma forma de combate. Precisamos ter uma forma sistêmica, com várias instituições e estratégias atuando juntas.
Para nós, jornalistas, às vezes o combate à desinformação parece um pouco com enxugar gelo, pois parece não acessar as pessoas. Que tipo de combate é eficiente nesse sentido?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares. A desinformação, hoje, é um fenômeno sistêmico: envolve muitas coisas e, com isso, não temos só uma forma de combate. Precisamos ter uma forma sistêmica, com várias instituições e estratégias atuando juntas. O jornalismo é fundamental numa sociedade democrática, e uma das estratégias da desinformação é dizer que o jornalismo mente, que as pessoas não precisam de jornal e de nenhum tipo de comunicação que tenha responsabilidade. O que eu digo sobre jornal é: não estamos dizendo que o jornal está sempre 100% certo e que nunca tem nada ali que não foi bem apurado. Porém, o jornalismo tem responsabilidade. O jornal vai ser processado, vai ter que publicar uma correção. É diferente da desinformação, que circula livremente, ninguém dá bola, não tem nenhum tipo de legislação, ninguém vai preso, nada. Para ter uma sociedade democrática, precisamos ter um jornalismo funcionando. Precisamos ter educação digital nas escolas, porque os jovens são alfabetizadores das suas famílias, trazem o debate sobre o que é ou não desinformação, sobre como funciona a plataforma. A gente tem um projeto sendo feito em vários Estados do Brasil, no qual trabalhamos com a desinformação com agentes de saúde. Esses agentes, às vezes, não sabem o que dizer para as pessoas, porque eles não têm certeza. A pessoa diz “não vou vacinar meu filho porque pode mudar o DNA dele” e o agente de saúde já viu isso na internet também e não diz nada, porque fica constrangido de falar sobre algo que ele não sabe direito. Essa pessoa tem que entender a desinformação e saber onde procurar a informação correta. Também precisamos de iniciativas estatais, com leis de combate à desinformação, ações do Estado. Precisamos de uma série de coisas para reduzir, porque a gente não vai acabar com a desinformação, mas podemos reduzir significativamente o impacto dela. Precisamos de uma ação conjunta. Só checar não vai resolver. Só educação também não vai resolver.
A gente tem direito à liberdade de expressão? Claro que tem. A liberdade de opinião está na Constituição. Mas isso não significa uma não responsabilização.
Em países que combatem mais a desinformação, ela de fato está circulando menos? As pessoas estão mais preparadas para entender o que é verdade e o que não é?
Ainda não temos um exemplo no mundo de nenhum país que tenha feito uma iniciativa conjunta. De modo geral, ainda se está engatinhando com relação à (ações de combate) desinformação, porque não se sabe muito bem como lidar com isso preservando, é óbvio, os direitos e garantias individuais. A gente tem direito à liberdade de expressão? Claro que tem. A liberdade de opinião está na Constituição. Mas isso não significa uma não responsabilização. Tem questões jurídicas e legais e tem questões educacionais. Onde se começa a fazer uma discussão sobre desinformação, alguém vai lá e grita “estão querendo tirar o meu direito à liberdade de expressão”. Não é isso. Temos um fenômeno que não é só a tua liberdade de expressão: foi além disso. A desinformação usa a liberdade de expressão para enganar as pessoas, e precisamos fazer algo que, sob vários aspectos, lide com isso. Nenhum país do mundo conseguiu fazer uma iniciativa parecida, porque ainda estamos em um momento de discussão, compreensão. As pessoas não têm ainda muito claros os efeitos e o que significa a desinformação. Há ferramentas legislativas, iniciativas locais de educação em vários países, mas não temos um país que possamos dizer que é um exemplo com baixa desinformação. O que sabemos é que iniciativas sozinhas não funcionam tão bem quanto se espera. Por exemplo, a própria checagem: sabemos que é importante, mas ela dificilmente chega aos grupos radicalizados, que estão convencidos de que aquela desinformação é verdadeira. Mas ela é importante para convencer aqueles que não estão radicalizados ainda. Eu acho que essas questões, no Brasil, parecem estar ganhando mais espaço, e acredito que, nos próximos anos, tenhamos uma discussão mais profunda sobre isso, e talvez iniciativas maiores. Mas isso depende de uma coordenação muito grande para ter iniciativas de educação, checagem, do próprio Estado no combate à desinformação. Não são coisas simples e rápidas. Todas essas iniciativas funcionam, sim, mas não funcionam como bala de prata para acabar com a desinformação.
Estão em andamento eleições nos Estados Unidos, nas quais, eventualmente, surgem novidades no que se refere a ferramentas de desinformação. Já é possível identificar o que pode se repetir, nesses padrões, nas eleições municipais aqui do Brasil?
Não temos praticamente nenhuma mudança no cenário da desinformação há muitos anos. O que temos, talvez, é uma diferença no tipo de desinformação que circula mais, ou no modo de lidar. Mas o uso da máquina de produção das plataformas continua igual, só ampliou. Esse uso se intensifica agora, com essa candidatura do Trump. A desinformação é inflamatória e vai convencendo as pessoas de certos posicionamentos. A desinformação política é, particularmente, mais perigosa, porque estamos em um contexto muito polarizado, e essa polarização faz com que as pessoas fiquem mais emocionalmente envolvidas com esses conteúdos. As pessoas adoram encontrar conteúdos que sacramentem a sua opinião. Então, quando vem um conteúdo que condiz com as minhas ideias sobre o mundo, é muito mais provável que eu o compartilhe. Quanto mais radicalizado eu estou, mais eu compartilho. Nas próximas eleições, que são municipais, isso deve ser um pouco menos, porque não temos duas grandes figuras opositoras como tivemos em outras eleições, como Lula e Bolsonaro. Nos Estados Unidos, como tem duas figuras em oposição, o candidato republicano e o democrata, vai ser muito mais. Talvez sirva para a gente entender o que nos espera nas próximas eleições presidenciais do Brasil, mais do que nas municipais.
Nas eleições municipais, as características seriam mais semelhantes às identificadas nas desinformações que circularam durante a enchente?
Sim, porque o aspecto local é o que vai trazer a legitimação. Porque não é qualquer pessoa que mandou aquilo. A pessoa pegou isso num grupo em que ela está, aí ela repassou para um outro grupo. “Ah, mas foi o fulaninho que repassou nesse grupo, é uma pessoa que eu conheço bem”. É um pouco das nossas conexões. Isso que é tão dramático nesse contexto.
É possível criar um protocolo de combate à desinformação para situações de emergência?
Sim. É algo que, inclusive, eu quero trabalhar com os colegas do INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) sobre soberania digital do qual eu faço parte: criar um protocolo de desinformação em contextos de crise. É fundamental criarmos uma cartilha com o que se precisa fazer, quais os checks que as pessoas envolvidas numa situação de crise, como a climática no Rio Grande do Sul, precisam fazer para reduzir os efeitos da desinformação. A primeira coisa que uma autoridade pública precisa entender é que não dá para deixar vácuo informacional em situação de crise. As autoridades precisam pisar no espaço da informação e usá-lo a seu favor, colocar os canais oficiais e não deixar o vácuo, porque a desinformação se propaga num vácuo informacional. Se não tem outro conteúdo, as pessoas propagam aquilo que chega, que, geralmente, é desinformação. A gente precisa olhar para isso com estudos de caso e entender como se articular para se defender dessa segunda crise, que é a crise da desinformação junto com a crise climática, porque eu acho que esses eventos vão se repetir e a gente vai precisar ter ações contra isso.