Você sabia que é possível identificar o mosquito Aedes aegypti – transmissor da dengue – pelo som do batimento das asas? Desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio grande do Sul (UFRGS), o projeto Mosquitoramento usa uma tecnologia capaz de reconhecer a espécie e o gênero do inseto, em tempo real, por meio da frequência por ele emitida durante o voo. E pode ser um aliado no combate à doença.
Em 2018, o professor Weverton Cordeiro, do Instituto de Informática (INF) da universidade, fez o seguinte questionamento: a gente consegue identificar o gênero e a espécie de um mosquito baseado no bater de asas?
Para encontrar respostas, Weverton, que coordena o projeto com os professores Mariana Mendoza e José Rodrigo Azambuja, também do INF, desenvolveu um sistema de inteligência artificial que identifica e decodifica a frequência de mosquitos Aedes aegypti fêmeas em um aplicativo de smartphone.
Denominada Mosquitoramento, a solução foi testada em um espaço controlado do laboratório de pesquisa universitário, apresentando resultados promissores. Três anos depois, com a adesão de outros profissionais e estudantes de biomedicina, ciência da computação, informática e engenharias da UFRGS, "a ideia se ramificou e uma nova questão apareceu: a gente consegue portar esse sistema para um dispositivo extremamente barato e que dê para colocar milhares dele na cidade?", conta o professor Azambuja. A equipe da UFRGS criou, então, um produto viável e de baixo custo.
Como funciona o monitoramento
Atualmente, o sistema está em fase de testes e realiza a detecção da onda sonora dos mosquitos com um processador acoplado em um gravador posicionado nas armadilhas de insetos.
— O Mosquitoramento é um dispositivo que a gente acopla em armadilhas que possuem atrativos. Conforme o mosquito se aproxima dessa armadilha, a gente realiza a detecção em tempo real da frequência emitida pelas asas. Com essa detecção a gente faz um mapeamento em uma dashboard e em um aplicativo para poder ter uma noção do mapeamento da incidência do mosquito na cidade — esclarece Luiz Felipe de Moura, integrante da pesquisa e aluno da Engenharia de Controle e Automação da UFRGS.
De acordo com Moura, os dados captados são enviados para um software, operando por inteligência artificial e criando uma rede neural capaz de processar dados e ir se aperfeiçoando para ser, cada vez mais, precisa na detecção.
De modo geral, o mosquito é atraído pela armadilha, entra pelo espaço aberto nela, que, internamente é um funil.
— Ali o mosquito tem dificuldade de sair. Ele entra no funil porque tem água nele. A mosquito fêmea busca água e sombra para depositar os ovos. O microfone fica posicionado na boca da armadilha. Quando a fêmea passa na frente do microfone, o sistema grava esse áudio, que passa por redes neurais treinadas e aí a rede diz qual espécie de mosquito é aquela — destaca o professor José Rodrigo Azambuja.
A equipe vem treinando essa rede neural com os dados processados. Segundo Azambuja, hoje a precisão está em 98,5% quanto à espécie e ao gênero do mosquito.
Redução de gastos públicos
Contribuir com a sociedade é um dos objetivos do projeto, impactando na saúde pública, otimizando ações de combate à dengue, e na economia, reduzindo custos com medidas preventivas.
— O produto está focado em ser de baixo custo, porque se a gente observar o histórico das medidas de combate e prevenção ao mosquito da dengue, é sempre um gasto expressivo na economia pública. E muito do gasto, cerca de milhões, é voltado para medidas de prevenção. A ideia é que o investimento na nossa solução seja 30% mais barato se comparado com o método atual — almeja o estudante Luiz Felipe.
Mesmo sem firmar uma data, os pesquisadores da UFRGS esperam ter milhares de equipamentos espalhados nas cidades do RS nos próximos anos e expandir a tecnologia dentro do Brasil.
Desafios
A intenção de tornar o recurso viável e distribuído em larga escala encontrou alguns desafios para virar realidade.
— Quando tu usas um dispositivo super barato, ele não tem assim uma capacidade computacional muito grande. E a gente está falando de redes neurais, inteligência artificial, que são programas um pouco mais pesados. Então, não é fácil colocar o sistema em um dispositivo pequeno — diz Azambuja.
Apesar das dificuldades, o grupo tem investido em fazer o Mosquitoramento funcionar tal como foi idealizado. Os estudantes chegaram a criar uma empresa, a partir de uma bolsa de empreendedorismo e, este ano, foram finalistas em uma premiação global que avaliou a viabilidade e os aspectos inovadores da solução.
Área de teste
Atualmente, o Mosquitoramento opera em duas áreas de testes. Em Porto Alegre, no insetário do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS, um ambiente controlado e onde quase não há poluição sonora. Bem como em São Valentim, na região noroeste do RS, através de parceria com o município.
Ao todo, destaca Luiz Felipe de Moura, há cerca de 10 equipamentos instalados, realizando a captação e gerando dados sobre a detecção do mosquito transmissor da dengue:
— Onde temos monitoramento, gravação de áudios 24 horas por dia, a ideia é conseguir aperfeiçoar o nosso dispositivo e implementar melhorias constantemente.
Conforme pontua o professor Azambuja, os resultados em laboratório têm sido satisfatórios, mostrando ser possível identificar o mosquito. No entanto, o desafio está nas áreas urbanas.
— Em campo, nas próprias cidades, com ruído de carro, moto e poluição sonora, deu uma reduzida na capacidade de detecção e estamos trabalhando para aperfeiçoar a captação. Além disso, mitigar os efeitos da poluição sonora para conseguir manter o mesmo nível de qualidade, que é o de 98,5% em laboratório —relata Azambuja.